TOI – CANCELAMENTO DE TOI – PARCIALMENTE PROCEDENTE

#Direito Civil#Direito do Consumidor

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 Processo: 0800951-18.2022.8.19.0023

      Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436)

   AUTOR: XXXXXXXXXXXXXXXXXX

    RÉU: ENEL BRASIL S.A

 

ENERGIA ELÉTRICA. RELAÇÃO DE CONSUMO. LAVRATURA DE TOI. REPASSE DE COBRANÇAS INDEVIDAS. VEROSSIMILHANÇA NAS ALEGAÇÕES AUTORAIS. NÃO COMPROVAÇÃO DE CUMPRIMENTO DA LEGISLAÇÃO SETORIAL QUANDO DA LAVRATURA DO TERMO DE OCORRÊNCIA DE IRREGULARIDADE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. PROVIMENTO COMINATÓRIO PARA CANCELAMENTO DO TOI/DÉBITOS. DANOS MATERIAL E MORAL NÃO CONFIGURADOS

Dispensado o relatório nos termos do artigo 38 da Lei 9.099/95.

Alegação autoral de titularidade de unidade consumidora junto ao Réu (cliente nº 3952900-2), recebimento de cobrança indevida decorrente de TOI, contatos administrativos sem sucesso para cancelamento do TOI e experimentação de prejuízos de ordem moral. PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA TERRITORIAL. Afasto a preliminar de incompetência territorial, tendo em que o documento ID 15558450 é bastante para comprovação de residência nesta Comarca. PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA. Rejeito a preliminar de incompetência do Juizado por necessidade de perícia, tendo em vista a possibilidade de comprovação de suposta legitimidade da cobrança do TOI através de provas documentais compatíveis com a ritualística da Lei 9.099/95. Ademais, a retirada do medidor, pela vontade unilateral da Ré, tornaria nula a sua perícia, pois não restaria assegurada a ampla defesa no momento da colheita da prova. MÉRITO. Verossimilhança parcial nas alegações autorais não ilididas por nenhuma prova defensiva. Aplicação do artigo 373, II, CPC. Reconhecimento da lavratura do TOI pelo Réu que revelam o comportamento arbitrário da Concessionária/Ré na exigência de valores ilegítimos em face do descumprimento aos preceitos específicos da Resolução 414/2010, ANEEL. Responsabilidade objetiva da Ré, não havendo qualquer causa excludente a seu favor. Subsunção aos artigos 14, § 3º e 22, CDC. ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL:

Trata-se de recurso interposto pela ré contra a sentença que julgou improcedentes os pedidos para cancelar o TOI, determinar a devolução dos valores pagos a tal, além de indenização por danos morais. Registre-se que a hipótese é de relação de consumo, pois as partes envolvidas enquadram-se nas definições de consumidor e fornecedor previstas nos artigos 2º e 3º da Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor). Tal constatação implica no reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor, já que incontestavelmente é o elo mais fraco na relação firmada, devendo ser lhe garantidas as formas de amparo estabelecidas na lei, inclusive a proteção contra cláusulas abusivas, a facilitação da defesa de seus direitos em Juízo, e a indenização por danos lhe causados. Contudo, esta proteção, não implica no acatamento de todas as suas demandas, cabendo ao consumidor expor, de forma clara e precisa, os fundamentos do direito que diz possuir e as provas mínimas da ocorrência do dano que alega ter sofrido. Dito isto, o autor comprovou a lavratura do TOI, o que não contesta a ré. A lavratura de TOI encontra amparo na Resolução ANEEL n.º 414/2010, que estabelece as condições gerais de fornecimento de energia elétrica, devendo processar-se sempre que verificada a ocorrência de irregularidade que haja provocado faturamento inferior ao correto. Isto porque, a lavratura do TOI deve ocorrer sempre que verificada a ocorrência de irregularidade que haja provocado faturamento inferior ao correto, com estrita observância àquela Resolução, que estabelece as condições gerais de fornecimento de energia elétrica. Transcreve-se o art. 129, do ato normativo: “Na ocorrência de indício de procedimento irregular, a distribuidora deve adotar as providências necessárias para sua fiel caracterização e apuração do consumo não faturado ou faturado a menor. § 1o A distribuidora deve compor conjunto de evidências para a caracterização de eventual irregularidade por meio dos seguintes procedimentos: I – emitir o Termo de Ocorrência e Inspeção – TOI, em formulário próprio, elaborado conforme Anexo V desta Resolução; II – solicitar perícia técnica, a seu critério, ou quando requerida pelo consumidor ou por seu representante legal; III – elaborar relatório de avaliação técnica, quando constatada a violação do medidor ou demais equipamentos de medição, exceto quando for solicitada a perícia técnica de que trata o inciso II; (Redação dada pela REN ANEEL 479, de 03.04.2012) IV – efetuar a avaliação do histórico de consumo e grandezas elétricas; e V – implementar, quando julgar necessário, os seguintes procedimentos: a) medição fiscalizadora, com registros de fornecimento em memória de massa de, no mínimo, 15 (quinze) dias consecutivos; e b) recursos visuais, tais como fotografias e vídeos. § 2o Uma cópia do TOI deve ser entregue ao consumidor ou àquele que acompanhar a inspeção, no ato da sua emissão, mediante recibo. § 3o Quando da recusa do consumidor em receber a cópia do TOI, esta deve ser enviada em até 15 (quinze) dias por qualquer modalidade que permita a comprovação do recebimento.: § 4º O consumidor tem 15 (quinze) dias, a partir do recebimento do TOI, para informar à distribuidora a opção pela perícia técnica no medidor e demais equipamentos, quando for o caso, desde que não se tenha manifestado expressamente no ato de sua emissão. (Redação dada pela REN ANEEL 418, de 23.11.2010) § 5o Nos casos em que houver a necessidade de retirada do medidor ou demais equipamentos de medição, a distribuidora deve acondicioná-los em invólucro específico, a ser lacrado no ato da retirada, mediante entrega de comprovante desse procedimento ao consumidor ou àquele que acompanhar a inspeção, e encaminhá-los por meio de transporte adequado para realização da avaliação técnica. § 6º A avaliação técnica dos equipamentos de medição pode ser realizada pela Rede de Laboratórios Acreditados ou pelo laboratório da distribuidora, desde que com pessoal tecnicamente habilitado e equipamentos calibrados conforme padrões do órgão metrológico, devendo o processo ter certificação na norma ABNT NBR ISO 9001, preservado o direito de o consumidor requerer a perícia técnica de que trata o inciso II do § 1º. (Redação dada pela REN ANEEL 479, de 03.04.2012) § 7o Na hipótese do § 6o , a distribuidora deve comunicar ao consumidor, por escrito, mediante comprovação, com pelo menos 10 (dez) dias de antecedência, o local, data e hora da realização da avaliação técnica, para que ele possa, caso deseje, acompanhá-la pessoalmente ou por meio de representante nomeado. § 8o O consumidor pode solicitar, antes da data previamente informada pela distribuidora, uma única vez, novo agendamento para realização da avaliação técnica do equipamento. § 9o Caso o consumidor não compareça à data previamente informada, faculta-se à distribuidora seguir cronograma próprio para realização da avaliação técnica do equipamento, desde que observado o disposto no § 7º. § 10. Comprovada a irregularidade nos equipamentos de medição, o consumidor será responsável pelos custos de frete e da perícia técnica, caso tenha optado por ela, devendo a distribuidora informá-lo previamente destes custos, vedada a cobrança de demais custos. § 11. Os custos de frete de que trata o § 10 devem ser limitados ao disposto no § 10 do art. 137”. E conforme exegese contida no dispositivo legal supracitado, não há dúvidas que o ordenamento legal confere à Agência Nacional de Energia Elétrica o poder de regulamentar as atividades de produção e distribuição de energia elétrica, é certo ter a agência delegado poder de polícia à pessoa jurídica que explora tais serviços concedidos. Mas com algum temperamento. Assim, a disposição regulamentar em foco não dá ao que se declara em TOI presunção juris tantum de veracidade, própria dos atos administrativos. Tal entendimento é sedimentado na Súmula nº 256 deste Tribunal de Justiça, nos seguintes termos: “O termo de ocorrência de irregularidade, emanado de concessionária, não ostenta o atributo da presunção de legitimidade, ainda que subscrito pelo usuário”. E embora a concessionária alegue a irregularidade na unidade consumidora, não lhe comprova a existência, vez que, o Termo de Ocorrência de Irregularidade (TOI), quando decorrente de fiscalização operada em relógio medidor de consumo de energia elétrica, não permite, por suas próprias particularidades e no momento de sua lavratura, que o consumidor produza a contraprova da acusação que lhe é imputada, nem tome qualquer outra providência para a salvaguarda de seus eventuais direitos. Percebe-se que tanto o cálculo, quanto a cobrança de valores referentes ao consumo pretérito de energia, foram realizados de forma unilateral, não logrando a concessionária comprovar que tenha oportunizado ao autor a impugnação administrativa do respectivo Termo de Ocorrência de Irregularidade. Com efeito, o ordenamento jurídico não admite a cobrança de multa e recuperação de consumo com base em prova produzida unilateralmente, ao arrepio dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, sendo que o ônus da prova acerca da veracidade dos dados inscritos no TOI compete à concessionária, não podendo presumir-se a má-fé do consumidor Isso fica claro da dicção do artigo do art. 133, ao prever que, depois da apuração do desvio e da importância a isso correspondente, o consumidor pode recorrer à concessionária e se não se conformar com a decisão que esta vier a tomar, é lhe facultado, ainda, formular reclamação à ouvidoria da distribuidora. Evidentemente isso se dá para que ele possa exercer direito de defesa, o que pressupõe o direito de acompanhar as diligências periciais. Destarte, as alegações autorais merecem parcial acolhimento tão somente a quanto regularidade da lavratura do TOI, inexistindo dano moral indenizável, pois a hipótese retratada nos autos não ultrapassa o mero dissabor, não se inserindo no bojo das considerações acima traçadas como caracterizadores de vilipêndio aos direitos da personalidade, nem mesmo se infere como manifesta ofensa aos direitos consumeristas com reflexos na esfera da dignidade da pessoa humana, posto que não se verifica a interrupção do fornecimento do serviço em razão de tais fatos. Ressalte-se que o autor requereu a devolução daquilo que lhe foi cobrado a título de recuperação de consumo, o que deve ser acolhido por questão de coerência e lógica. Isto posto, voto no sentido de conhecer do recurso, e dar-lhe parcial provimento para declarar a nulidade do TOI objeto de discussão nestes autos, além de condenar a ré na devolução dos valores pagos em decorrência do mesmo, mediante comprovação nos autos em sede de execução, por meros cálculos aritméticos, com juros de legais e correção monetária desde o efetivo desembolso. Improcedente o pedido de indenização por danos morais. Sem ônus da sucumbência face ao êxito. (0805327-86.2022.8.19.0204 – RECURSO INOMINADO. Juiz(a) LUIZ ALBERTO BARBOSA DA SILVA – Julgamento: 15/09/2022 – CAPITAL 2a. TURMA RECURSAL DOS JUI ESP CIVEIS). 

Necessidade de provimento cominatório para cancelamento do TOI/débitos como forma de afastamento da ilegalidade e obtenção ao resultado prático. Dano material indevido por ausência de prova de efetivo pagamento das parcelas do TOI, sendo vedada sua fixação hipotética. Dano moral não caracterizado por ausência de provas sobre privação do serviço, não violação ao princípio da continuidade de sua prestação ou mesmo lesão aos direitos personalíssimos do Autor quando da lavratura do Termo de Ocorrência de Irregularidade. 

Pelo exposto, JULGO PROCEDENTE EM PARTE o pedido para CONDENAR o Réu ao CANCELAMENTO DO TOI OBJETO DA LIDE E DÍVIDABEM COMO DE TODO E QUALQUER DÉBITO DELE DECORRENTE, sem ônus para o Autor, no prazo de 20 (vinte) dias a contar da publicação da sentença, pena de multa equivalente a 100% sobre o valor do que vier a ser cobrado até o limite de R$10.000,00 (dez mil reais).

JULGO IMPROCEDENTES os pedidos de ressarcimento por danos materiais e de compensação por danos morais, nos termos do artigo 487, I, CPC.

Ficam as partes cientes que, antes da prática de qualquer ato executivo, uma vez escoado o prazo de 15 dias previsto no artigo 523, CPC, sem que tenha havido o cumprimento da obrigação reconhecida na sentença, incidirá automaticamente a multa de 10% (dez por cento) a que se refere o artigo, e se procederá a intimação da parte credora para que se manifeste no prazo de 05 (cinco) dias sobre seu interesse em efetivar o protesto do título judicial, na conformidade do artigo 517, CPC e do Ato Executivo Conjunto TJ/CGJ nº 07/2014, alterado pelo Ato Executivo Conjunto TJ/CGJ nº 18/2016.

Ao Cartório para que proceda as anotações de praxe.

Remeto os autos ao M.M Juiz de Direito para homologação na forma do artigo 40 da Lei 9.099/95 e Enunciado Administrativo 1.10 do Aviso 23/2008.

 

Escrito por:

Jessica Mendonça Aleixo

A nobreza da advocacia se dá na defesa dos vulneráveis!