STJ: Compete à Justiça Federal apreciar protetiva decorrente de crime de ameaça feita pelo ex via rede social, quando iniciado no estrangeiro e o resultado ocorrer no Brasil

#Direito da Mulher#Direito Internacional#Direito Penal

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CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO ESTADUAL X JUÍZO FEDERAL. AMEAÇAS DE EX-NAMORADO A MULHER VIA FACEBOOK. MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA. BOLETIM DE OCORRÊNCIA PERANTE AUTORIDADE POLICIAL BRASILEIRA. PEDIDO DE MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA AO PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO. REPRESENTAÇÃO DA OFENDIDA QUE DISPENSA FORMALIDADES. AMEAÇAS REALIZADAS EM SÍTIO VIRTUAL DE FÁCIL ACESSO. SUPOSTO AUTOR DAS AMEAÇAS RESIDENTE NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. CRIME À DISTÂNCIA. FACEBOOK. SÍTIO VIRTUAL DE FÁCIL ACESSO. INTERNACIONALIDADE CONFIGURADA. O BRASIL É SIGNATÁRIO DE CONVENÇÕES INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO À MULHER. A LEI MARIA DA PENHA DÁ CONCRETUDE ÀS CONVENÇÕES INTERNACIONAIS FIRMADAS PELO BRASIL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.
1. Está caracterizada nos autos inequívoca intenção da vítima em fazer a notitia criminis do delito de ameaça, sendo certo que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ é firme no sentido de que a representação da ofendida, nas ações penais públicas condicionadas, prescindem de formalidade. Precedentes.
No caso concreto, o boletim de ocorrência, que instrui o presente incidente, demonstra de forma clara que a suposta vítima narrou as ameaças sofridas, relatou à autoridade policial que estava com medo, sendo evidente sua intenção de apuração dos fatos delituosos. A vítima também peticionou junto à Justiça Federal pleiteando os benefícios da justiça gratuita, bem como medidas protetivas, narrando, com clareza cristalina, que o suposto autor delituoso praticou ameaça descrita no art. 147 do Código Penal – CP. Diante disso, identifica-se que houve narrativa de fato típico, sendo evidente a intenção da vítima de dar conhecimento dos fatos às autoridades policiais e judiciárias, a fim de que fosse garantida a sua proteção. Trata-se, portanto, de pedido de medida protetiva de natureza penal. 2. Segundo o art. 109, V, da Constituição Federal – CF, compete aos juízes federais processar e julgar “os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente.”
Encontrando-se o suposto autor das ameaças em território estrangeiro, uma vez que não se tem notícia do seu ingresso no país, tem-se um possível crime à distância, tendo em vista que as ameaças foram praticadas nos EUA, mas a suposta vítima teria tomado conhecimento do seu teor no Brasil. 3. O Brasil é signatário de acordos internacionais que asseguram os direitos das mulheres – a exemplo da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará, 1994) e Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW, 1979), promulgada pelo Decreto n. 84.460/1984. Tais convenções apresentam conceitos e recomendações sobre a erradicação de qualquer forma de discriminação e violência contra as mulheres. Em situação semelhante ao caso concreto, o argumento da competência da Justiça Estadual diante da ausência de tipificação em convenção internacional foi derrubado pelo Supremo quando da análise de crimes de pedofilia na Internet. Com efeito, em julgamento de recurso extraordinário, com repercussão geral reconhecida, o Ministro Marco Aurélio, relator do feito, entendeu pela competência da Justiça Estadual fundamentando não haver tratado endossado pelo Brasil prevendo crime, mas apenas a ratificação do Brasil à Convenção sobre os Direitos da Criança da Assembleia das Nações Unidas. Todavia, o Ministro Edson Fachin abriu divergência e foi seguido pela maioria do Plenário. Segundo a tese vencedora, o Estatuto da Criança e do Adolescente é produto de tratado e convenção internacional subscritos pelo Brasil. (RE 628.624, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 29/10/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-062 DIVULG 05-04-2016 PUBLIC 06-04-2016) Destarte, à luz do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal – STF, embora as Convenções Internacionais firmadas pelo Brasil não tipifiquem o crime de ameaça à mulher, a Lei Maria da Penha, que prevê medidas protetivas, veio concretizar o dever assumido pelo Estado Brasileiro de proteção à mulher contra toda forma de violência. 4. No caso concreto é evidente a internacionalidade das ameaças que tiveram início nos EUA e, segundo relatado, tais ameaças foram direcionadas à suposta vítima e seus amigos, por meio da rede social de grande alcance, qual seja, o Facebook.
5. Conflito conhecido, para declarar a competência do o Juízo Federal da 1ª Vara de São José dos Campos – SJ/SP, o suscitado.

(CC n. 150.712/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Terceira Seção, julgado em 10/10/2018, DJe de 19/10/2018.)

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