Sentença – TOI – Declaratória de inexistência de débito

#Direito Bancário#Direito do Consumidor

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I- RELATÓRIO

Trata-se de ação declaratória de inexistência de débito cumulada com indenização por danos

morais proposta por GLACIETI SOUZA DE AZEVEDO em face de AMPLA ENERGIA E

SERVIÇOS SA ao argumento de cobrança indevida.

A autora, em síntese, alegou que é titular de unidade com fornecimento de serviços da ré e que

em junho de 2019 sofreu inspeção e lavratura de Termo de Irregularidade, no valor de R$

4.350,20 (quatro mil, trezentos e cinquenta reais e vinte centavos).

Aduziu que a ré ameaça cortar o fornecimento do serviço. Requer a condenação da ré a se

abster de negativar o nome da autora e de suspender o fornecimento de energia elétrica, bem

como declarar a inexistência da cobrança do valor da dívida e indenização por danos morais no

importe de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Decisão de fls. 32/33, que deferiu a antecipação de tutela.

A ré, devidamente citada, apresentou contestação às fls. 44/106, em que suscitou, no mérito, a

existência de irregularidade no medidor do imóvel da autora, ocasião em que lavrou o termo de

ocorrência de inspeção (TOI) e efetuou cobrança do consumo não medido. Pugnou pela

improcedência dos pedidos.

A autora manifestou-se em réplica às fls. 112/118.

As partes informaram não possuir mais provas a produzir (fls. 128/132).

Decisão de fl. 136 declarando encerrada a instrução.

As partes se manifestaram em alegações finais, conforme fls. 143/147 e 150/154.

Os autos vieram conclusos.

É o relatório. Decido.

 

II- FUNDAMENTAÇÃO

A lide comporta julgamento no estado, na forma do art. 355, I, do CPC.

A presente demanda rege-se pelo Código de Defesa do Consumidor, visto que a ré, como

prestadora de serviços de fornecimento de energia elétrica, enquadra-se na condição de

fornecedora, nos ditames do artigo 3º do CDC, bem como a autora pode ser considerada

consumidora, nos termos do artigo 2º do CDC, eis que destinatária final do serviço.

A responsabilidade civil trazida pelo citado diploma legal para esta relação jurídica é objetiva, a

qual se extrai do artigo 20 do CDC. Neste tipo de responsabilidade o fornecedor deve provar caso

fortuito ou força maior, fato de terceiro ou culpa exclusiva da vítima para que não lhe seja

imputada a reparação dos danos causados ao consumidor.

Não assiste razão à parte ré, uma vez que deveria a mesma ter se cercado das cautelas devidas

para imputação de irregularidade por fraude no medidor de energia elétrica do imóvel da autora, o

que significa afirmar que deveria a mesma fazer-se presente de funcionários da Secretaria de

Segurança Pública do Estado (policiais da Delegacia de Defesa dos Serviços Delegados – DDSD)

para que os fatos atinentes à existência do injusto penal fossem devidamente lavrados em

ocorrência policial de forma a possibilitar a realização de perícia técnica isenta no relógio de luz do

imóvel da autora, o que não foi realizado pela parte ré.

Desta forma, o valor imputado a título de irregularidade, por ser unilateral e potestativo, não pode

prevalecer, sendo certo que deveria a ré ter por igual cercado-se de cuidados de modo a realizar a

cobrança judicial do que entenderia devido, mas não realizar o termo de ocorrência acerca da

irregularidade e imputar à parte contrária cobrança ou financiamento de débito que sequer fora

levantado legalmente.

Ademais, a própria prova pericial, única a demonstrar que de fato a autora estaria cometendo

algum tipo de ilícito, não se demonstraria mais necessária, uma vez que a ré já efetuou a

manipulação do relógio medidor que supostamente havia sido violado pela autora. A perícia no

relógio da forma atual seria absolutamente inócua e imprestável ao deslinde da controvérsia. Vale

ressaltar, ainda, que o fato de o medidor estar com algum problema, por si só, não implica em

reconhecimento de que a autora o violou dolosamente, uma vez que pela própria ação do tempo

poderia ter naturalmente ocorrido a irregularidade e perda de eficiência.

Frise-se que, para a demonstração de que a autora o tivesse violado intencionalmente, por

consistir em crime, deveria ter havido a apreensão policial do mesmo, com perícia junto ao ICCE,

sendo que somente isto poderia possibilitar o acolhimento da tese defensiva.

Entretanto, a ré, de forma unilateral, cessou com as irregularidades e disse que a autora o havia

violado e lhe imputou cobrança retroativa supostamente não medida. Tudo de forma

absolutamente irregular e ilegal.

Também necessário destacar que, ainda que tenha havido irregularidade na medição, a

responsabilidade não pode ser atribuída à parte autora e sim à parte ré, posto que a

concessionária não logrou êxito em comprovar ato ilícito supostamente praticado pelo autor,

devendo ser aplicada ao presente caso a Teoria do Risco do Empreendimento (art. 14 do CDC),

razão pela qual deve o débito ser cancelado, o termo de ocorrência de irregularidade anulado, por

unilateral, assim como condenada a ré a se abster em definitivo de suspender o fornecimento da

energia elétrica e se abster de negativar o nome da autora.

Descabe a devolução, de forma simples ou em dobro, da quantia atribuída ao autor como

consumo faturado e não medido, uma vez não há notícia de quitação, o que melhor será apurado

em sede de liquidação ou refaturamento.

Quanto ao pedido de indenização por danos morais, não deve tal postulado ser acolhido, eis que

teria havido debate acerca do débito e do lançamento da citada recuperação de consumo, o que é,

inclusive, autorizado pelas agências de regulação e resoluções acerca do tema, embora o

Judiciário tenha, reiteradamente, anulado por arbitramento unilateral e não técnico os montantes.

Todavia, para fins de indenização em dinheiro, tem-se solidificado o entendimento de sua

incidência nos casos de suspensão do serviço ou negativação do nome do consumidor em

cadastros negativos, o que não se vislumbrou na hipótese.

 

III- DISPOSITIVO

Pelo exposto, JULGO PROCEDENTES EM PARTE os pedidos contidos na inicial e: 1)

Determino o cancelamento do termo de ocorrência de inspeção; 2) Decreto a anulação do débito

imputado à autora a título de irregularidade, devendo o débito ser refaturado na média semestral

posterior à lavratura do TOI, encaminhando-se novas faturas para a parte autora, com vencimento

não inferior a 30 dias, sob pena de cancelamento do débito. Na hipótese de recolhimento acima da

média citada, condeno a ré a restituir de forma simples saldos superiores à média, em favor da

autora, com juros da citação e atualização dos pagamentos, tudo a depender da apuração em

sede de cumprimento; 3) Condeno a ré a se abster de suspender o fornecimento de energia

elétrica do imóvel da autora pelo débito ora anulado, pelo que torno definitiva a antecipação de

tutela concedida; 4) Julgo, por fim, improcedente o pedido de compensação por danos morais.

Ante a causalidade, condeno a ré ao pagamento das custas processuais e honorários

advocatícios que arbitro em 10% sobre o valor do débito impugnado.

Havendo recurso de apelação, certifique-se quanto à tempestividade e o preparo, dando-se

vista, em seguida, ao apelado em contrarrazões. Certificada a apresentação das contrarrazões ou

a inércia do apelado, subam os autos ao Eg. Tribunal de Justiça, com as nossas homenagens.

Com o trânsito em julgado, cumpridas as formalidades legais para baixa, remetam-se os autos à

Central de Arquivamento. Registrada eletronicamente. Publique-se e intimem-se.

Itaboraí, 27/06/2022.

 

Rubens Soares Sa Viana Junior – Juiz Titular

Escrito por:

Jessica Mendonça Aleixo

A nobreza da advocacia se dá na defesa dos vulneráveis!