PERFIL NO INSTAGRAM HACKEADO – DEVER DE INDENIZAR

#Direito Civil#Direito Digital#Direito do Consumidor

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JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR E DIREITO CIVIL. CONTA EM REDE SOCIAL. INSTAGRAM. APROPRIAÇÃO POR TERCEIROS (HACKER) DE PERFIL DE USUÁRIO. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. INEXISTÊNCIA DE CULPA EXCLUSIVA DO CONSUMIDOR OU DE TERCEIRO. RISCO DA ATIVIDADE. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS NA HIPÓTESE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. I. Trata-se de recurso inominado interposto pela parte ré contra sentença que a condenou a: a) determinar a remoção das contas @fabianosommerlatte, @januszeksdb e @rahul_bhm463 do instagram; e b) ao pagamento de R$ 3.000,00 (três mil reais), a título de danos morais, corrigida monetariamente pelos índices do INPC desde a sentença e acrescida de juros legais a partir da citação. O recorrente alega que é o provedor do serviço da rede social Instagram e não pode ser responsabilizado pelos fatos narrados, uma vez que oferece aos seus usuários um serviço seguro; que a senha cadastrada e demais informações sigilosas das contas do Instagram são de responsabilidade dos próprios usuários; que informa seus usuários acerca de quais providências podem ser tomadas para manter uma conta segura, conforme o disposto na Central de Ajuda, local que possui diversas dicas de segurança, como a autenticação de dois fatores. Defende que a parte autora optou por não se valer dos mecanismos de segurança oferecidos pelo provedor, seja para coibir eventual invasão seja para responsabilizar o real responsável pelos fatos, não havendo que se falar em falha na prestação de serviço. Por fim, a recorrente alega que os fatos decorreram de responsabilidade exclusiva do autor ou de terceiros, afastando o nexo de causalidade, conforme artigo 14, § 3º, II, Código de Defesa do Consumidor. Aduz ainda que não há dano moral a ser indenizado. Pede a reforma da sentença a fim de que seja excluída a indenização por danos morais Subsidiariamente, pede a minoração dos danos morais. Contrarrazões apresentadas. II. Recurso cabível e tempestivo. Preparo recolhido. III. De início, cumpre observar que se aplicam ao caso os ditames do Código de Defesa do Consumidor, pois as partes se enquadram nos conceitos previstos nos arts. 2º e 3º daquele diploma legal. Com efeito, a responsabilidade civil no CDC assenta-se sobre o princípio da qualidade do serviço ou produto, não apresentando a qualidade esperada o serviço que não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, dentre as quais se destacam o modo de prestação do seu fornecimento e o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam (art. 14, § 1º, I e II do CDC). A responsabilidade objetiva do fornecedor em tais casos somente será ilidida se ficarem comprovados os fatos que rompem o nexo causal, ou seja, deve o fornecedor provar que, tendo o serviço sido prestado o defeito inexistiu ou o fato exclusivo do consumidor ou de terceiro. A dicção do § 3º do art. 14 do CDC é muito clara ao criar a inversão ope legis do ônus da prova da inexistência do fato do serviço, ao estabelecer que “o fornecedor do serviço só não será responsabilizado quando provar…”. IV. Com efeito, a conta mantida pelo autor (@fabianosommerlatte) foi apropriada por terceiros (hackers), fato este incontroverso nos autos, tendo ocorrido modificações do nome da conta para @januszeksdb, @rahul_bhm463 e, por fim, para @sigeburgroussos. O réu, por outro lado, não demonstrou que o autor colaborou de qualquer forma para que tal fato acontecesse, nem mesmo que teria sido negligente com a senha ou código de verificação da conta. O simples fato de o autor não ter ativado o requisito adicional de segurança denominado “autenticação em dois fatores” não afasta a responsabilidade da ré. Isso porque, se a única forma de manter a conta segura fosse através de tal requisito, deveria ser ele mandatório, obrigatório para a ativação e manutenção da conta, e não algo opcional. Não pode, ademais, querer o réu transferir o risco de sua atividade ao usuário, devendo responder pelos prejuízos que suas brechas de segurança possam causar. Inexistência de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros. V. O dano moral pode ser definido como a privação ou lesão de direito da personalidade, independentemente de repercussão patrimonial direta, desconsiderando-se o mero mal-estar, dissabor ou vicissitude do cotidiano, sendo que a sanção consiste na imposição de uma indenização, cujo valor é fixado judicialmente, com a finalidade de compensar a vítima, punir o infrator e prevenir fatos semelhantes que provocam insegurança jurídica. De acordo com a doutrina e a jurisprudência, o prejuízo imaterial é uma decorrência natural (lógica) da própria violação do direito da personalidade ou da prática do ato ilícito. Assim, o dano moral, de acordo com Sérgio Cavalieri Filho: “deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de modo que, provada a ofensa… está demonstrado o dano moral” (Programa de Responsabilidade Civil. 5ª ed. São Paulo: Editora Malheiros. 2003. p. 99). Desse modo, cumpre à parte lesada apenas provar os fatos que ensejaram a reparação pretendida, sendo desnecessária a prova da violação ao direito da personalidade ou do sofrimento experimentado. VI. A mera impossibilidade de acesso de perfil de rede social ou mesmo impossibilidade de exclusão devido à ação de “hackers” não é causa de dano moral, pois ele não se configura “in re ipsa” nestes casos. Cumpre observar que, no mais das vezes, as redes sociais são mera fonte de recreação e compartilhamento de conteúdo, cuja privação por tempo razoável, ainda que indevida ou resultante de falha na segurança, não configura qualquer ofensa relevante a direito de personalidade. Portanto, os fatos que permearam a exclusão do perfil e as consequências específicas suportadas pelo usuário é que delinearão a configuração do dano moral e também o eventual valor a ser arbitrado. VII. No caso dos autos, não há prova de nenhum fato que possa ter causado ao autor ofensa à sua privacidade, intimidade, dignidade ou honra. Em que pese o acesso da conta tenha sido tomado por terceiros, não há nada nos autos que indique que houve manipulação da conta de forma a causar prejuízos extrapatrimoniais ao autor, nem mesmo que a perda de acesso ao PJE em alguns tribunais decorreram da falha da ré. Não há prova nos autos, por fim, de que o autor tenha seguido todas as instruções para recuperação do acesso da conta e que o réu tenha procrastinado a solução do problema ou agido de forma desidiosa no atendimento da solicitação. Portanto, não há dano moral a ser indenizado no caso. VIII. Recurso CONHECIDO e PROVIDO para afastar a obrigação de reativação da conta nas mesmas condições em que se encontrava antes da invasão, bem assim para excluir a condenação por danos morais. IX. Sem custas e sem honorários ante a ausência de recorrente vencido, art. 55 da Lei 9.099/95.
(Acórdão 1416965, 07411462820218070016, Relator: MARILIA DE AVILA E SILVA SAMPAIO, Segunda Turma Recursal, data de julgamento: 25/4/2022, publicado no PJe: 3/5/2022. Pág.: Sem Página Cadastrada.)

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