STJ: Servidor que filma mulheres pratica conduta escandalosa, sendo aplicável a pena de demissão

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ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. REGULARIDADE DO PROCESSO DISCIPLINAR. ENCONTRO FORTUITO DE PROVA. LICITUDE. CONCLUSÃO DO PAD. EXCESSO DE PRAZO. FALTA DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. SÚMULA 592/STJ. APLICABILIDADE. CONDUTA ESCANDALOSA NA REPARTIÇÃO. ART. 132, V, PARTE FINAL, DA LEI 8.112/1990. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. INOCORRÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RECURSAIS. FIXAÇÃO. POSSIBILIDADE.
1. Cuida-se, na origem, de ação ordinária ajuizada em desfavor da Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE, em que o autor, ora recorrente, objetiva a anulação do ato administrativo de sua demissão do cargo de Professor do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do quadro de pessoal da ré, amparada no art. 132, V, da Lei 8.112/1990 (“incontinência pública e conduta escandalosa, na repartição”), por dolosamente ter produzido e armazenado, sem consentimento, vídeos de alunas, servidoras e empregada terceirizada do Colégio Agrícola Dom Agostinho Ikas da UFRPE – CODAI, dentro de ambiente laboral, em horário de trabalho.
2. É firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que “não configura cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide quando o julgador entende adequadamente instruído o feito, declarando a prescindibilidade da prova testemunhal com base na suficiência da prova documental apresentada” (AgInt no AREsp 1.782.370/SP, relator Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, DJe de 18/6/2021). Nesse mesmo sentido: AgInt no AREsp n. 2.032.252/AP, relator Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe de 1°/12/2022;
AgInt no REsp n. 1.950.791/SP, relator Ministro MANOEL ERHARDT (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF5), PRIMEIRA TURMA, DJe de 24/2/2022.
3. Caso concreto em que a materialidade da conduta imputada ao ora recorrente restou reconhecida pela Comissão Processante, assim como pelas instâncias ordinárias, a partir de prova material contida em um Hard Disk encontrado por um aluno e entregue à direção da UFRPE.
Nessa toada, a alegação genérica de que o indeferimento da produção de prova testemunhal importaria em cerceamento de defesa, sem que sequer fossem explicitados os fatos que se pretendia comprovar, não tem o condão de suplantar os fundamentos adotados pelo Tribunal de origem, incidindo, no ponto, os óbices das Súmulas 283 e 284/STF.
Nesse sentido: REsp n. 1.744.402/RS, relator Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe de 19/12/2019.
4. A tese de nulidade da prova utilizada pela Comissão Processante, por sua vez, vem amparada em premissa fática que não encontra respaldo dos autos, uma vez que, como consignado no acórdão recorrido, o alegado furto do hard disk somente foi noticiado às autoridades policiais mais de dois anos após seu suposto cometimento, quando já instaurado o PAD. Assim, diante da impossibilidade de reexaminar todo o conjunto probatório dos autos, ante o óbice da Súmula 7/STJ, não há como se afastar da premissa adotada pela Comissão Processante, qual seja, de que a dita prova fora encontrada por um aluno de forma fortuita, o que afasta qualquer nexo de causalidade com o apontado delito suscitado pelo recorrente, inviabilizando, via de consequência, a aplicação da chamada “teoria dos frutos da árvore envenenada”. A propósito, mutatis mutandis, os seguintes julgados: AgRg no RHC n. 154.122/SP, relator Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUINTA TURMA, DJe de 30/9/2022; MS n. 25.131/DF, relator Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 8/5/2020.
5. Nos termos da Súmula 592/STJ, “o excesso de prazo para a conclusão do processo administrativo disciplinar só causa nulidade se houver demonstração de prejuízo à defesa”.
6. De acordo com a jurisprudência do STJ, “o acusado se defende dos fatos”, bastando, portanto, que “o termo de indiciamento elaborado pela comissão processante [contenha] descrição suficientemente detalhada dos ilícitos administrativos imputados ao indiciado, possibilitando-lhe a compreensão racional do que é chamado a responder”(MS n. 21.721/DF, relator Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 18/11/2022).
7. Cabe ressaltar que “as instâncias cível, penal e administrativa são independentes. Desse modo, a sentença penal absolutória por ausência de provas do ora recorrente não repercute no exame do residual administrativo que envolve os fatos narrados” (AR n. 6.596/BA, relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 29/11/2021).
8. Na espécie, é irrelevante que o PAD tenha sido originalmente instaurado “para apurar suposta prática de assédio sexual, consistente na captura de imagens íntimas de alunas, servidoras e funcionária terceirizada do CODAI, no ambiente de trabalho, através de câmera escondida, sem autorização, contidas num Disco Rígido (HD) Externo” (fl. 1.011), como consignado no acórdão recorrido. Isso porque se apresentam desnecessárias maiores considerações a respeito de a conduta narrada no PAD caracterizar, ou não, o crime de assédio sexual previsto no art. 216-A do Código Penal (“Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”), haja vista que não foi esse o fundamento que lastreou a demissão, e sim a premissa de que a conduta imputada ao recorrente se subsome ao disposto no art. 132, V, da Lei 8.112/1990.
9. A “incontinência pública” não se confunde com “conduta escandalosa, na repartição”. A primeira hipótese se refere ao comportamento de natureza grave, tido como indecente, que ocorre de forma habitual, ostensiva e em público. Nesse sentido: RMS n. 39.486/RO, relator Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 2/5/2014; AgRg no RMS n. 27.998/AP, relator Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, DJe de 15/10/2012. Já a segunda modalidade pressupõe aquela conduta que, embora também ofenda a moral administrativa, pode ocorrer de forma pública ou às ocultas, reservadamente, mas que em momento posterior chega ao conhecimento da Administração.
10. Nesse contexto, não há como afastar a conclusão firmada tanto pela Comissão Processante quanto pelo Tribunal de origem, no sentido de que a conduta praticada pelo ora recorrente – que “filmava, por meio de câmera escondida, alunas, servidoras e funcionárias terceirizadas”, fato, aliás, admitido pelo servidor no âmbito do PAD, conforme consignado no acórdão recorrido – caracteriza a infração prevista no art. 132, V, parte final, da Lei 8.112/1990.
11. “A jurisprudência desta Corte também tem-se orientado no sentido de afastar a eventual ofensa aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, quando a pena de demissão do serviço público for a única punição prevista em lei pela prática das infrações disciplinares praticadas pelo servidor” (MS n. 21.937/DF, relatora p/ acórdão Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 23/10/2019). Nesse mesmo sentido: RMS 34.405-AgR, relator Ministro EDSON FACHIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 31/10/2018; MS n. 20.963/DF, relator Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 8/9/2020.
12. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.

(STJ, REsp 2006738 / PE; Ministro SÉRGIO KUKINA; T1 – PRIMEIRA TURMA, Julgamento: 14/02/2023; DATA DA PUBLICAÇÃO: DJe 27/02/2023)

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