Sentença – Home Care – Plano de Saúde – Idoso

#Direito Civil#Direito da Saúde#Direito do Consumidor#Direito do Idoso#Direitos Humanos

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S E N T E N Ç A

 

RUY ALEXANDRE GUERRA COELHO PEREIRA propõe a presente ação em face de UNIMED-RIO COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO DO RIO DE JANEIRO LTDA, por meio da qual postula a concessão da antecipação dos efeitos da tutela em caráter de urgência para que seja determinada a cobertura pela parte ré do tratamento do requerente em sua residência, fornecendo home care, cama hospitalar, dieta industrializada, medicamentos e material de curativo, pois afirma ser portador de câncer de próstata, depressão, infecção generalizada, com 89 anos de idade, estando com seu corpo fragilizado, requerendo por fim reparação por danos morais no valor de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais).

 

Como causa de pedir, consta da inicial que as partes mantém contrato de assistência à saúde, com vistas a coberturas de despesas médicas e hospitalares. Alega a parte autora que por indicação do seu médico assistente necessita dar continuidade ao seu tratamento por meio de home care, cuja cobertura fora solicitada ao réu. Não obstante, afirma que houve a injusta recusa do custeio do tratamento domiciliar.

Instruem a inicial documentos de fls. 26 e ss.

 

Deferida a antecipação dos efeitos da tutela às fls. 146, complementada pela decisão de fl. 238. Contestação às fls. 277 e ss. oferecida pela parte ré, instruída com documentos de fls. 323 e seg. Alega em defesa que existem contradições entre as indicações médicas e os pedidos

formulados. Afirma que o caso do autor seria de mera assistência domiciliar, cuja cobertura não seria obrigatória, e que estariam expressamente excluído o home care pela cláusula 12.1., manifestando-se pela improcedência dos pedidos veiculados à inicial.

 

Réplica às fls. 780 e ss., ratificando os fatos e as teses constantes da exordial.

 

Decisão de saneamento às fls.805, sendo deferida prova pericial médica.

 

Laudo pericial acostado aos autos às fls. 878 e ss.

 

Impugnação do laudo pela parte ré, fl. 902.

 

Não foram produzidas outras provas, estando o feito maduro para julgamento, na forma do artigo 355, I, do NCPC.

 

Este o relatório.

 

Fundamento e decido.

 

É incontroverso o fato de que o contrato securitário, como qualquer outro, pode estabelecer limitações de direitos, desde que inequivocamente informadas ao consumidor, ex vi do artigo 54, § 4º, do CDC. No caso em análise, o contrato prevê a exclusão de

cobertura da internação domiciliar.

 

Contudo, há exclusões que subvertem a lógica contratual e afrontam princípios inerentes à teoria geral dos contratos – notadamente consumeristas, tais como o da boa-fé e o da função social (art. 422, CC). Não se pode excluir da cobertura de um contrato de seguro saúde tratamentos que representam a continuidade de cuidados que seriam ou deveriam ser levados a efeito em um hospital.

 

O home care, não raro, constitui um desdobramento necessário e imprescindível do tratamento que teria plena cobertura se levado a efeito no âmbito hospitalar. A gravidade da doença do paciente recomenda que os cuidados sejam transferidos para o ambiente residencial, afastando-se riscos de infecção, viabilizando-se a individualização do tratamento.

 

Neste caso, torna-se abusiva a recusa de cobertura pela seguradora. Este o entendimento consagrado na jurisprudência pátria, a propósito:

 

Súmula TJ/RJ Nº. 339 “A recusa indevida ou injustificada, pela operadora de plano de saúde, de autorizar a cobertura financeira de tratamento médico enseja reparação a título de dano moral.” Referência: Processo Administrativo nº. 0053831-70.2014.8.19.0000 – Julgamento em 04/05/2015 – Relator: Desembargador Jesse Torres. Votação unânime. Súmula TJ/RJ Nº. 352 “É abusiva a cláusula contratual que exclui internação domiciliar e sua recusa configura dano moral.” Referência: Processo Administrativo nº.

0061460-61.2015.8.19.0000 – Julgamento em 31/10/2016 – Relator: Desembargador Nagib Slaibi. Votação unânime. TJ-RJ – APELACAO APL 00413216520098190205 RJ 0041321-65.2009.8.19.0205 (TJ-RJ) Data de publicação: 27/02/2014

 

Ementa: PLANO DE SAÚDE – HOME CARE – EXCLUSÃO CONTRATUAL – CLÁUSULA ABUSIVA – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – PRECEDENTES. A Corte Superior de Justiça já se manifestou em diversas oportunidades, confirmando decisões que reconheceram

como nulas cláusulas contratuais que tornam inócuas a finalidade precípua da avença celebrada. Existência de laudo médico afirmando a essencialidade do tratamento de home care para o quadro clínico apresentado pela autora. Dano moral configurado. Critérios de fixação.

Redução. Parcial provimento ao recurso. TJ-SP – Apelação APL 01675976820128260100 SP 0167597-68.2012.8.26.0100 (TJ-SP) Data de publicação: 26/03/2014

 

Ementa: PLANO DE SAÚDE. “HOME CARE”. DISCUSSÃO ENVOLVENDO A LEGALIDADE DA CLÁUSULA QUE PREVÊ A EXCLUSÃO DO ATENDIMENTO MÉDICO DOMICILIAR. CLÁUSULA ABUSIVA. RECURSO NÃO PROVIDO. 1- Apelação interposta contra a sentença que considerou abusiva a exclusão da cobertura de atendimento médico domiciliar (“home care”) pela ré. 2-Conforme entendimento do STJ, “se o contrato de plano de saúde prevê a cobertura de determinado tratamento, não podem ser excluídos os procedimentos imprescindíveis para o seu êxito”. 3- Aplicação do Código de Defesa do Consumidor (arts. 51, IV). 4- A regra da preservação dos

contratos (“pacta sunt servanda”) prevalece para os contratos válidos e não para garantir as abusividades estabelecidas no contrato. 5- É certo que não compete a operadora do plano de saúde substituir-se ao Estado na prestação de saúde pública, mas o fato é que ela vale-se

das falhas do Estado, explorando atividade comercial (empresarial) com a legitima finalidade de lucro. Mas ao inserir cláusula prejudicial ao consumidor, destinatário final de seus serviços, desconsiderou as regras que regem as relações contratuais assimétricas, como no caso

(relação de consumo), descumprindo o próprio objeto contratado (proteção saúde do consumidor). 6- Recurso não provido. AgInt no AREsp 1876762 / RJ AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2021/0125679-8

 

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – DECISÃO MONOCRÁTICA DA

PRESIDÊNCIA DO STJ QUE CONHECEU DO RECLAMO PARA NÃO CONHECER DO APELO NOBRE. INSURGÊNCIA RECURSAL DA DEMANDADA. 1. Para fins do art. 105, inciso III, alínea “a”, da constituição Federal, não é cabível recurso especial fundado em alegada violação de enunciado de súmula. Precedentes. 2. A ausência de enfrentamento da matéria objeto da controvérsia pelo tribunal de origem impede o acesso à instância especial, porquanto não preenchido o requisito constitucional do prequestionamento. Incidência da Súmula 282 do STF. 3. Nos termos da jurisprudência desta Corte, é abusiva a cláusula contratual que veda a internação domiciliar (home care) como alternativa à internação hospitalar. Incidência da Súmula 83/STJ. 4. Agravo interno desprovido.

 

O contrato pressupõe sempre um aspecto de economicidade, sendo certo que o custeio do home care acaba por reduzir os custos em relação à manutenção do paciente no âmbito da estrutura hospitalar, tal como destacado no aresto acima. Esta contradição não permite a subsistência da negativa da cobertura.

 

Não bastasse isso, deve-se levar em consideração o fato de que a dita previsão contratual configura a chamada “cláusula suicida”, isto é, contraditória, principalmente se comparada com as demais cláusulas contratuais e com a finalidade do contrato. Vale dizer, sendo o home care uma modalidade de internação, todos os serviços que a permeiam deveriam ser oferecidos como se o paciente estivesse internado em um hospital, com acompanhamento de enfermeiro, fornecimento de medicamentos e demais materiais para tratamento médico.

 

A imprescindibilidade do home care foi corroborada pela conclusão do laudo pericial (sic):

 

Conclusão laudo, fl. 888:

“Trata o presente caso de paciente em Home Care, concedido através de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional. O quadro clínico

do autor, no ato da perícia médica, apresentava evolução satisfatória, passando a se alimentar por via oral e não mais restrito ao leito. Este

Perito, após a análise dos documentos acostados aos autos, bem como o exame médico pericial domiciliar levado a efeito, conclui que o

autor necessita de cuidados de cuidador e/ou familiares; necessitando também de:

• Fisioterapia (5x por semana) motora/respiratória;

• Médico de plantão de 15 em 15 dias; e

• Psicólogo de 15 em 15 dias.”

 

A negativa de cobertura de algo que é essencial ao contrato e imprescindível ao paciente, conforme indicação médica comprovada nos autos, tem o condão de gerar um dissabor que ultrapassa os limites do mero aborrecimento não indenizável, caracterizando-se a lesão moral, cujo montante indenizatório deve, de um lado, evitar o locupletamento indevido, e de outro ressarcir proporcional e razoavelmente o lesado.

 

Em relação ao quantum debeatur, enunciado nº 411 da V Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal/STJ:

 

“O quantum indenizatório fixado a título de danos morais deve observar o critério bifásico. Em um primeiro momento, analisa-se o valor

adotado em situações análogas. Após, na segunda fase, verifica-se as questões pertinentes ao caso concreto, como a reprovabilidade da conduta do ofensor, sua capacidade econômica e a extensão do dano sofrido pelo consumidor”.

 

Pelo exposto, JULGO PROCEDENTE EM PARTE O PEDIDO para condenar a parte ré a fornecer o home care nos termos da conclusão do laudo pericial (fl. 888) e condenar a parte ré em R$ 10.000,00 (dez mil reais) por danos morais, acrescidos de juros legais e de atualização monetária a partir desta sentença. Despesas processuais e honorários advocatícios pela parte ré, estes arbitrados em 10% sobre a condenação, sendo extinto o processo com resolução de mérito na forma do artigo 487, inciso I, do Novo Código de Processo Civil.

 

Transitada em julgado, dê-se baixa e arquivem-se, após cumpridas as formalidades legais. Ficam as partes cientes, desde já, que os autos poderão ser remetidos à Central de arquivamento, conforme art. 229-A, § 1º, inciso I, da Consolidação Normativa, com a nova redação dada nos termos do Provimento CGJ 20/2013

 

P. I.

 

Ricardo Cyfer

JUIZ DE DIREITO

Escrito por:

Jessica Mendonça Aleixo

A nobreza da advocacia se dá na defesa dos vulneráveis!