Artigo de Autoria de Caroline Mara Polesca Muccida
RESUMO: Este artigo expõe propostas de intervenção para promoção, defesa e garantia de direitos humanos com o foco na mulher brasileira vítima de violência doméstica, analisando a relação e a importância da atuação em conjunto das iniciativas públicas e privadas que trabalham com este tema. O objetivo do estudo é fundamentar as necessidades de programas e políticas públicas que sejam específicos para a mulher brasileira. A metodologia utilizada na pesquisa é de abordagem qualitativa, natureza aplicada e procedimentos bibliográficos. O artigo buscou evidenciar a importância da atuação governamental em conjunto com a articulação dos movimentos sociais e organizações privadas para a criação de uma rede efetiva de enfrentamento à violência contra a mulher.
PALAVRAS-CHAVE: mulher; violência doméstica; políticas públicas; organizações da sociedade civil; direitos humanos.
ABSTRACT: This article exposes intervention proposals for promotion, defense and guarantee of human rights focusing on Brazilian woman victim of domestic violence, analyzing the relation and importance of public and private initiatives acting together. The research’s goals consist of substantiate the needs of programs and public policies specific for Brazilian woman. The methodology used in this research is a qualitative approach, applicate nature and bibliographical procedures. The article sought to evidence the importance of governmental action together with the articulation of social movements and private organizations to build an effective network to combat violence against women.
KEYWORDS: woman; domestic violence; public policies; civil society organization; human rights.
?1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O tema abordado por este artigo abrange propostas de intervenção para promoção, defesa ou garantia de direitos humanos. Na sociedade brasileira, estruturada por um sistema de opressão de minorias, há uma busca constante por equidade, seja ela racial, de gênero ou de classe.
Mesmo que o Artigo 1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos estabeleça que “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos.”, sabemos que na prática, esses direitos não são garantidos a todos. Assim, acompanhamos a construção de uma sociedade centrada no patriarcado, colocando a mulher em papéis que muitas vezes diminuem ou limitam o seu potencial. Esse lugar que resta para a mulher ocupar, em diversos contextos é uma posição de submissão, que permitiu ao homem assumir seu protagonismo como colonizador e opressor, criando uma cultura de violência onde a mulher é alvo de um sistema que tem o objetivo de silenciar e reprimir àquela que ousa andar fora da linha que foi desenhada para seguir. Então, para entender essa temática e a luta firmada contra esse regime de opressão, este presente trabalho se propõe a apresentar as propostas de intervenção com o intuito de promover, defender e garantir os direitos humanos para a mulher.
Qual a importância das propostas de intervenção para combater a cultura de violência contra as mulheres? O objetivo geral deste estudo é fundamentar as necessidades de programas e políticas públicas específicos para a mulher brasileira. Com essa finalidade, se faz necessário explicitar o conteúdo dessas propostas que promovem, defendem ou garantem os direitos humanos para a mulher, muitas vezes vítima de violência doméstica. A partir do conhecimento dessas propostas, é possível identificar e caracterizar quais são as organizações que têm a missão de executar projetos e programas de intervenção no enfrentamento à violência contra mulher. E por meio de um recorte geográfico do nosso país, ainda é possível compreender as necessidades e desafios regionais que as organizações enfrentam.
A metodologia utilizada na pesquisa é de abordagem qualitativa, natureza aplicada e procedimentos bibliográficos. A estrutura do desenvolvimento do artigo é divida em três partes: a primeira explica por que são necessárias propostas de intervenção com recorte de gênero, a partir da análise do contexto histórico brasileiro e mundial na construção do papel da mulher na sociedade e a luta pela conquista dos seus direitos, protagonizado pelo movimento feminista; a segunda parte traz uma narrativa que evidencia na linha do tempo a criação das políticas públicas e ferramentas de enfrentamento à violência contra a mulher, destacando a importância desses instrumentos como símbolo de garantia dos direitos humanos muitas vezes negado à mulher na sua construção social; e, a última parte, busca evidenciar algumas das organizações da sociedade civil que atuam nesse ecossistema de combate à violência doméstica, onde elas estão localizadas e como atuam de forma complementar aos órgãos e instrumentos públicos na rede de enfrentamento à violência contra mulher, prevista pela Lei Maria da Penha.
Este estudo analisou o contexto social de opressão da mulher, e a relação desse sistema com a construção de uma cultura de violência contra a mulher. O artigo buscou evidenciar a importância da atuação governamental em conjunto com a articulação dos movimentos sociais e organizações privadas para a criação de uma rede efetiva de enfrentamento à violência contra a mulher.
?2. DESENVOLVIMENTO
2.1 Propostas de intervenção: porque são necessárias para promoção, defesa e garantia de direitos humanos para a mulher brasileira
Para entender a necessidade da construção de propostas focadas na mulher é importante resgatar o contexto histórico e político do movimento feminista e do sufrágio feminino no Brasil. Partindo da compreensão de que há uma correlação entre a busca por representatividade nos espaços dominados pela presença masculina e a conquista de direitos em uma sociedade marcada pela exclusão social em razão de gênero e raça.
Assim, temos o surgimento do movimento feminista no Brasil no século 19 com a luta pela educação feminina, direito ao voto e abolição dos escravos. Nesse período, a luta das mulheres era focada em: direito à vida política, educação, direito ao divórcio e livre acesso ao mercado de trabalho.
Um dos motivadores dessa luta era o acesso à educação básica, ainda negado às meninas. Foi em 1827, com a Lei Geral promulgada, que as mulheres foram autorizadas a ingressar nos colégios para estudar além da escola primária. A possibilidade de acesso ao ensino superior veio acontecer mais tarde, apenas em 1879, quando as universidades foram abertas às mulheres. Ainda assim, esses espaços foram carregados de muito preconceito e barreiras para as mulheres, sendo constantemente oprimidas e dificultando a realização dos seus objetivos profissionais.
Quanto ao cenário político e do mercado de trabalho, em 1922 foi fundada a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, onde os principais objetivos eram a batalha pelo voto e livre acesso das mulheres ao campo de trabalho. Alguns anos depois, em 1928, tivemos a conquista que parecia ser o início do processo de dar voz às mulheres na política, com o primeiro voto feminino e a primeira prefeita eleita no país. Porém, ambas conquistas foram anuladas e só 4 anos depois, em 1932, conseguimos finalmente o sufrágio feminino no Brasil. No ano seguinte, tivemos a posse da primeira mulher eleita para ocupar um cargo político trazendo então a representatividade de gênero no Congresso Nacional, a primeira deputada federal brasileira, Carlota Pereira de Queiróz.
E, não se fazendo suficiente todas as barreiras para alcançar o marco do direito ao voto feminino, ele apenas foi institucionalizado na Constituição de 1946. Essa conquista só foi alcançada devido a todos os movimentos feministas organizados no início do século XX, que marcaram a luta de mulheres acontecendo nos EUA e Europa, servindo de inspiração para as brasileiras. E, mesmo que os EUA tenham conquistado o direito ao voto feminino em 1920, isso não foi uma garantia para todas as mulheres, pois não incluía as mulheres negras, que só tiveram seu voto validado em 1964. No livro “E eu não sou mulher?”, Bell Hooks traz a provocação da conquista de direitos da mulher marcada por um racismo que separava as mulheres e tirava a identificação de gênero da mulher negra como uma mulher (HOOKS, 2015). Essa análise da sociedade americana se faz muito pertinente ao contexto brasileiro, já que a herança colonialista racista e patriarcal fundamentou a construção social de ambos os países.
A partir da década de 60, o movimento feminista incorporou questões como o acesso a métodos contraceptivos, saúde preventiva, igualdade entre homens e mulheres, proteção à mulher contra a violência doméstica, equiparação salarial e apoio em casos de assédio. Assim, em 1988 a Constituição Brasileira passa a reconhecer as mulheres como iguais aos homens, sendo incluídas legalmente como cidadãs com os mesmos direitos e deveres dos homens, pelo menos diante da Constituição.
Sabemos que mesmo com todas essas conquistas, a equidade de gênero ainda é um objetivo de longo percurso e inúmeros desafios. Mesmo que haja uma tentativa de equiparação cidadã, ainda há uma estereotipação da mulher como submissa ao homem e a serviço do seu prazer e bem-estar, com definições de um papel social ao que cabe o feminino na visão machista: procriadora, responsável pelas tarefas domésticas e com a capacidade limitada às atividades que sustentam a economia do cuidado. Esse repertório justifica e legitima as ações violentas que caracterizam as tentativas de calar a voz das mulheres e de suprir um masculino ferido, que foi perdendo o seu lugar dominador e opressor.
Essa cultura de violência contra a mulher construída no Brasil, colocou o país em 2021 no 5º lugar no ranking de homicídios contra a mulher, segundo a Organização Mundial da Saúde – OMS, sendo 4,8 homicídios a cada 100 mil mulheres. A violência contra mulher é caracterizada quando ela ocorre em razão de gênero, podendo se manifestar de diversas formas – desde assédio moral até homicídio. Essas violências causam morte, dano ou sofrimento físico, sexual, psicológico à mulher, tanto no âmbito público quanto no privado.
Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP): A terceira edição da pesquisa Visível e Invisível: A Vitimização de Mulheres no Brasil, lançada em 2021 junto ao Instituto Datafolha com apoio da Uber, mostra que uma em cada quatro brasileiras acima de 16 anos alegou ter sofrido algum tipo de violência nos últimos 12 meses no país, o que representa um universo de 17 milhões de mulheres vítimas de violência física, psicológica ou sexual no último ano (FBSP, 2021).
Essa publicação reforça a preocupação com um problema que é global e comparável a uma pandemia, já que, segundo dados da OMS, “ao longo da vida, uma em cada três mulheres – cerca de 736 milhões de pessoas -, é submetida à violência física ou sexual por parte de seu parceiro ou violência sexual por parte de um não parceiro” (OMS, 2021).
Então, é possível entender porque é tão necessária a construção de políticas e programas de enfrentamento e combate à violência contra a mulher. Assim como todas as iniciativas e propostas que sustentam a construção de um cenário mais favorável à sua participação nos espaços públicos e privados, como forma de garantia dos direitos que muitas vezes lhes são omitidos ou negados.
2.2 Políticas públicas com recorte de gênero e ferramentas de enfrentamento à violência contra a mulher: foco na defesa e garantia dos direitos humanos
No Brasil, a década de oitenta representou a conquista dos primeiros instrumentos legais em termos de políticas públicas direcionadas para as mulheres. Quando falamos em políticas públicas com recorte de gênero, estamos considerando instrumentos que “[…] reconhecem a diferença de gênero e, com base nesse conhecimento, implementa ações direcionadas para as mulheres.” (FARAH, 2004, p.51).
Nesta década foram criados serviços como SOS Mulher e Centro de Defesa, o Conselho Estadual da Condição Feminina de São Paulo (1983), e a primeira Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) na cidade de São Paulo (1985). Essas instituições foram pioneiras e contribuíram para que, nos anos seguintes, outros conselhos, delegacias e movimentos se organizassem nos diversos territórios do país.
No Brasil, a violência doméstica é o maior tipo de violência contra a mulher, realizada em ambiente privado e cometida por pessoas próximas, cônjuges e parentes (DATASENADO, 2019). A partir da década de 90, esse tema começou a ganhar espaço no país e contou com a participação do Estado Brasileiro, que passou a se envolver em tratados nacionais e internacionais, demonstrando seu comprometimento na intervenção à violência contra a mulher. Mas, foi em 2003 que o Estado conseguiu de fato tornar relevante o seu papel na garantia de políticas públicas capazes de promover mudanças quanto às questões relacionadas à desigualdade de gênero, com a criação da Secretaria Especial de Políticas Públicas para as Mulheres (SPM), órgão com estatuto de Ministério. Essa Secretaria reforçava a importância de uma maior abrangência na estrutura de enfrentamento à violência contra a mulher, que não poderia ser tratada apenas no espectro criminal.
Em 2004, foi elaborado o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM), onde essa Secretaria desenhou propostas para a promoção da igualdade de gênero, tendo como um dos eixos o enfrentamento à violência contra a mulher. Assim, mais tarde em 2007 foi criada a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, tendo como sua principal motivação a Lei nº 11.340, Lei Maria da Penha, sancionada em 2006, que se tornou um marco na história do movimento feminista no Brasil. Essa Lei criou mecanismos de proteção e prevenção e também estipulou cinco formas de violência doméstica: física, sexual, moral, patrimonial e psicológica. A Lei Maria da Penha além de determinar que o agressor pode ser preso em flagrante, foi responsável ainda pela criação de instituições de caráter civil e criminal para organizar no eixo da assistência, uma rede de atendimento às mulheres em situação de violência, englobando serviços tais como: centros de referência da mulher, defensorias da mulher, promotorias da mulher ou núcleos de gênero nos Ministérios Públicos, juizados especializados de violência doméstica e familiar contra a mulher, Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180), entre outros (SPM/PR, 2011, p.7).
Considerada pela ONU uma das 3 melhores leis do mundo que tratam sobre violência contra a mulher, a Lei Maria da Penha foi criada a partir da condenação do Brasil em 2001 na Comissão Interamericana de Direitos Humanos pela omissão no caso de violência doméstica e tentativa de homicídio em 1983 da enfermeira Maria da Penha pelo seu cônjuge. O Estado brasileiro precisava de uma lei que trabalhasse o assunto, já que até então casos de violência doméstica eram enquadrados na lei 9099, a dos Juizados Especiais Cíveis, conhecidos como “pequenas causas”. A Lei Maria da Penha se torna uma medida educativa, preventiva, de assistência à vítima e reeducação do agressor, sem ser estritamente de cunho punitivo.
Após 16 anos de sua aprovação, o problema dessa lei é que ela ainda não é completamente aplicada. Dentre os motivos para isso estão: preconceitos judiciários, a falta de direcionamento de orçamento para a criação de políticas públicas e ferramentas de atendimento à mulher e a falha na divulgação e conhecimento sobre tudo o que a lei cobre (AZMINA, 2020). Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 91,7% dos municípios no país não possuem nenhuma delegacia especializada no atendimento à mulher (DEAM). E, além desse recurso de defesa, para acolhimento da mulher vítima de violência sexual, ainda é necessária toda uma rede de suporte, sendo que em cerca de 90% das cidades brasileiras não há nenhum tipo de serviço especializado nesse atendimento (AGÊNCIA BRASIL, 2019).
Uma dessas ferramentas de assistência social são as casas-abrigo para mulheres em situação de violência, que tem como principal atividade ofertada o atendimento psicológico individual e em alguns casos atendimento jurídico e creche. Em 2018, as casas-abrigos proporcionaram o atendimento de 1.221 mulheres e 1.103 crianças, segundo o IBGE. Entre 2013 e 2018, houve um aumento de 12 para 20 do número de unidades da federação com casas-abrigo. O estado mais estruturado é São Paulo com 14 unidades, seguido do Pará e Pernambuco, com cinco unidades cada (AGÊNCIA BRASIL, 2019). Analisando a situação dos órgãos voltados à execução de políticas para as mulheres nos municípios do país, o levantamento mostrou uma queda no número de prefeituras que possuem alguma estrutura com essa finalidade, indo de 27,5% em 2013 para 19,9% em 2019, similar ao observado em 2009, representando um retrocesso no avanço dessas estruturas nas cidades. Assim como observado nos municípios, os órgãos responsáveis por executar políticas para mulheres nos estados não são exclusivos para este tema, sendo na maioria das vezes englobados em outras secretarias, subordinados à pasta responsável pelos direitos humanos (AGÊNCIA BRASIL, 2019).
Dada tamanha complexidade do tema e a dificuldade de padronização de uma rede estruturada para todas as regiões, é extremamente importante a coexistência de estruturas municipais, estaduais e federais que trabalham em conjunto no cumprimento das necessidades que esse tema engloba. E para além do poder público, também se faz necessário o envolvimento de outras esferas sociais, destacando-se os movimentos organizados da sociedade civil. Essas organizações complementam a constituição de uma rede de enfrentamento à violência contra a mulher, entendendo o caráter multidimensional do problema, que segundo Lopes (2011, p.8), “[…] perpassa diversas áreas, tais como: a saúde, a educação, a segurança pública, a assistência social, a justiça, a cultura, entre outros.”
2.3 As organizações que trabalham intervindo nesse ecossistema de enfrentamento à violência contra a mulher
Os integrantes da rede de enfrentamento à violência contra as mulheres incluem serviços além do atendimento que, segundo a Secretaria Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres (SPM/PR), “[…] envolvem agentes governamentais e não-governamentais formuladores, fiscalizadores e executores de políticas voltadas para as mulheres, universidades, movimento de mulheres, etc.” (SPM, 2019, p.12).
O Estado assumiu papel importante na criação de programas e garantia do funcionamento das políticas públicas de enfrentamento à violência contra mulher, ampliando suas estratégias e ferramentas para além do atendimento via Deams e do encaminhamento para casas-abrigo.
Mas ele não é protagonista nessa luta, que acontece em conjunto com esses outros agentes não-governamentais, como as Organizações da Sociedade Civil – OSCs. Sendo que, a intervenção do Estado nesse ecossistema de combate à violência contra a mulher se dá muitas vezes pela pressão popular acerca do tema. Como o próprio caso da Lei Maria da Penha, que como já mencionada, foi pensada e construída a partir do movimento de mulheres brasileiras, surgindo em resposta à pressão jurídica nacional e internacional às demandas sociais para tomar providências eficazes de proteção à mulher vítima de violência doméstica De acordo com o mapa das organizações da sociedade civil, divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o Brasil possui cerca de 815 mil OSCs – conhecidas como ONGs. Sendo que essas organizações estão localizadas em sua maioria na região Sudeste e apresentam um caráter altamente diversificado quanto a origens, ações exercidas e recursos mobilizados. Dentre as finalidades de atuação, as duas mais expressivas são àquelas que dedicam suas atividades à religião e ao desenvolvimento e defesa de direitos e interesses (IPEA, 2020).
As OSCs que participam desse ecossistema de combate à violência doméstica, possuem sua atuação voltada ao desenvolvimento e defesa de direitos e interesses com o foco na mulher. Essas organizações desenvolvem projetos que permitem diversos acessos, como: à informação e conhecimento dos direitos da mulher, educação sexual, assessoria multidisciplinar gratuita (jurídica, psicológica, social e pedagógica), inclusão sociopolítica e econômica, qualificação profissional, conscientização racial, reintegração de mulheres vítimas de violência, etc.
Fazendo um recorte regional da atuação dessas OSCs é possível perceber algumas semelhanças que podem estar associadas aos desafios da região no que diz respeito à violação de direitos da mulher. No Norte do país, o Movimento de Mulheres do Nordeste Paraense (MMNEPA) apoia mulheres na busca por melhores condições de trabalho nas áreas rurais, promovendo desenvolvimento sustentável e econômico. Já a formação de lideranças comunitárias é um trabalho promovido pelo COMUNEMA – Coletivo de Mulheres Negras Maria-Maria (Altamira/PA).
Na região Nordeste, organizações como Tamo Juntas (Salvador/ BA) e CDDM – Centro de Defesa dos Direitos da Mulher (Maceió/ AL) oferecem assessoria jurídica especializada para mulheres em situação de violência. Enquanto o Instituto Maria da Penha (Fortaleza/ CE) e o Espaço Feminista (Recife/ PE) trabalham com o apoio, informação e conscientização sobre violência contra a mulher, propondo a luta por políticas públicas de gênero.
Em relação à incidência das organizações na promoção de debates públicos e reivindicação de instrumentos governamentais para defesa de direitos da mulher, temos o Cunhã Coletivo Feminista (João Pessoa, PB) e o Centro Feminista 8 de Março (Mossoró/ RN), que surgiu para reivindicar a criação da Delegacia da Defesa da Mulher em Mossoró. E muitas outras ONGs trabalham com a geração de trabalho e renda para mulheres em situação de vulnerabilidade, como a Nave (São Luís/ MA) e Plan International (BA, MA e PI).
No Centro-Oeste e Distrito Federal, a representatividade das associações está relacionada à luta pela regulamentação dos direitos conquistados na Constituição, defendendo os direitos humanos das mulheres, por meio de projetos, campanhas e articulações institucionais, como o trabalho realizado pelo CFEMEA – Centro Feminista de Estudos e Assessoria (DF) e a ONU Mulheres (Brasília/ DF). Em relação ao acolhimento e resgate de autoestima das mulheres vítimas de violência, destaca-se o CEVAM – Centro de Valorização da Mulher (Goiânia/ GO).
A região Sudeste possui a maior diversidade de atuação já que detém o maior número de ONGs, promovendo desde o atendimento psicossocial e jurídico até os serviços de acolhimento para intervenção especializada e humanizada em caso de violência de gênero, doméstica, conjugal e intrafamiliar. Exemplos de organizações que atuam nesse formato são a SOS Mulher e Família (Uberlândia/ MG) e NAV – Núcleo de Atenção à Violência (Rio de Janeiro/ RJ). Em relação ao trabalho de desenvolvimento para emancipação da mulher, algumas ONGs se destacam no oferecimento de programas para qualificação profissional e empoderamento feminino, como o CAMTRA – Casa da Mulher Trabalhadora e a Redes da Maré no Rio de Janeiro/ RJ. Em São Paulo/SP, se enquadram nesse objetivo, a Casa de Sofia, a Casa Brasilândia e o Instituto Rede Mulher Empreendedora.
Por último, a região Sul conta com projetos de organizações que buscam promover palestras gratuitas na temática da violência contra a mulher e uma agenda política feminista na defesa dos direitos humanos, como o caso da Mais Marias e da Associação Fênix em Curitiba/ PR e a Themis em Porto Alegre/ RS. Em Santa Catarina, há instituições focadas no apoio às pessoas LGBTQIA+ vítimas de violência, como a Estrela Guia, que atua em diversas cidades do estado.
?3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da análise histórica do contexto político e social e entendendo as condições atuais da rede de enfrentamento à violência doméstica no Brasil, conseguimos observar grandes avanços no que diz respeito à quantidade de órgãos e instituições que se dedicam ao tema e, principalmente, as soluções sistêmicas traçadas para um problema tão complexo que é a violência de gênero. Observando a ampliação da presença de pautas sobre o tema nos espaços públicos e privados, é possível compreender que este assunto abrange toda uma rede de atendimento que precisa das mais diversas esferas sociais engajadas. Não é suficiente a atuação dos movimentos sociais reivindicando e exigindo equidade de gênero, enquanto isso não é traduzido em políticas públicas para escalar o alcance, gerando maior impacto social. Mas também, percebe-se o quanto o governo possui medidas que podem ser ineficazes no que diz respeito à capilaridade de atuação e ao tratamento individualizado, que muitas vezes são as organizações da sociedade civil locais que conseguem prover.
Foi realizada uma análise do contexto social de opressão da mulher, e como isso se convergiu na construção de uma cultura de violência à mulher. Para assegurar um embasamento de dados, foi feito um levantamento a partir da legislação brasileira, pontuando, ao longo da linha do tempo, os instrumentos e ferramentas criados na rede de enfrentamento à violência contra a mulher no Brasil, caracterizando a estrutura pública de combate à violência doméstica. A fim de conectar essa atuação governamental com a articulação dos movimentos sociais e organizações privadas, foi feita uma pesquisa pelas cinco regiões do país, buscando as instituições e movimentos que mais se destacam na promoção, defesa e garantia de direitos humanos das mulheres, considerando o contexto de vulnerabilidade vivenciado por essas minorias.
O tema é relevante, atual e merece ser estudado, pesquisado e discutido em todos os espaços possíveis, buscando ampliar o acesso à informação para conhecimento dos direitos da mulher, o que leva à possibilidade de redução de injustiças sociais e do número de vítimas silenciadas diante do seu agressor.
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