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Que o movimento feminista encontra desafios e obstáculos ao longo de toda a sua trajetória não temos dúvidas, e isso considerando principalmente que a luta não é e, nunca foi, monolítica.
Desde Olympe de Gouges, que foi executada na guilhotina em 1793 após fazer críticas ao poder instituído e publicar seu artigo que afirmava a liberdade e os direitos da mulher, e Mary Wollstonecraft (1759-1797), que em 1792 lançou “Reinvindicações aos movimentos das mulheres”, ambas com papeis ativos na Revolução Francesa, passando pelo século 19, que foi marcado pelas reivindicações do direito ao voto e ao acesso igualitário à educação, até os dias de hoje, em pleno século 21, seguimos com o feminismo sub-representado, limitado e oprimido pelas forças políticas e sociais e participação nos poderes.
Mesmo perante todos os percalços, hoje podemos ver o movimento feminista cada dia mais forte, lutando por espaços e ampliando as frentes e alcances dos nossos discursos em novos cenários que nos circundam e em consonância com o momento histórico em que vivemos. Surge, então, no momento atual, o poder das discussões em meios digitais.
A partir de meados dos anos 90, vêm à tona as mídias sociais, e-mail, Blogs, Vlogs. Redes sociais ou não, as ferramentas de comunicação digitais tomaram conta da nossa rotina. É o principal meio que nos conecta, nos relaciona com o mundo globalizado e nos permite aproximar e influenciar uns aos outros. Portanto, os meios digitais se tornam uma ferramenta essencial para “dar voz”.
A presença do feminismo na internet situa o movimento politicamente em um ciclo de novas oportunidades alavancadas pela construção de laços solidários entre mulheres e feminismos de todo o mundo. O espaço social e virtual dinamizado pelas redes digitais proporcionou experiências de ativismo mais livres e acentuou as possibilidades de desenvolvimento de outros canais de comunicação e intercâmbio informativo, que vão além dos contextos localizados entre as mulheres e suas comunidades.
Expor nossas reflexões e suas complexidades, propor discussões, compartilhar conhecimento, proporcionar diálogo e visibilidade ao movimento são de extrema importância para o feminismo e, para isso, o meio digital tem sido também um dos espaços a serem conquistados. Ele é capaz de superar as barreiras de distância e proporcionar o alcance de mulheres que, anteriormente, não tinham acesso ao conteúdo, o que nos permite fugir (um pouco) do padrão de que somente mulheres brancas e integrantes de algum meio acadêmico podem se informar sobre o conteúdo feminista.
Canais, espaços e plataformas na internet possibilitam às ações feministas o alastramento de informações, demandas, organização e a criação de conteúdos, habitualmente ignorados pelos meios de comunicação mais tradicionais, ou restritos aos meios alternativos (importantes, porém, de limitada abrangência).
O Youtube, por exemplo é uma das poderosas ferramentas que auxilia no desenvolvimento do movimento, com canais produzidos por mulheres que possuem o objetivo de trabalhar essa temática ao mostrar as suas realidades. As youtubers, apesar de apresentar simplicidade ao expor situações cotidianas, são inovadoras ao abranger o conteúdo em seus vídeos. Elas conscientizam outras mulheres divulgando novos olhares sobres as suas realidades, expondo e criticando o machismo. Um grande exemplo seria o canal “Jout Jout, Prazer”, onde Julia Tolezano produziu, até 2020, conteúdo voltado para o movimento feminista.
As redes sociais (Facebook, Instagram, Twitter, entre outros) possuem em suas plataformas redes feministas com seguimentos múltiplos: de organização ativista; de reflexão; de conteúdo provocativo; de prática institucional; de movimentos mundiais; e por aí vai. Este é o caso das páginas e grupos de discussão de movimentos e organizações que estão no Facebook, como a Marcha das Vadias e a Marcha Mundial das Mulheres. Páginas no Instagram que direcionam conteúdos jurídicos a mulheres, como o próprio Direito.Dela, seria um outro excelente exemplo. Percebemos que as práticas de ativismo feminista extrapolam a presença de apenas um espaço na internet, estando em diversos ambientes comunicacionais da rede: um movimento como a MMM, possui um site, um Twitter, um Tumblr, uma página e um grupo no Facebook.
Assim, se arquitetam redes de comunicação sobre as reflexões de gênero na internet e fora dela, nas quais as relações entre conteúdos produzidos em blogs, sites e redes sociais (online e offline) passam a ampliar a agenda e conformar táticas de organização política. A amplitude dos campos de ação é notável, e a convergência entre as dinâmicas e práticas tradicionais com o universo digital e suas possibilidades é sintomática do diagnóstico e autocrítica feminista a respeito dos espaços em que vigoram as estruturas de ação e dominação.
Bom, a facilidade de acesso ao conteúdo já é um grande avanço para a luta, mas não é o bastante. Estamos assistindo a uma lenta, mas constante tomada de consciência sobre a necessidade de usar os recursos organizacionais da rede e adquirir competências tecnológicas. Há uma grande quantidade de sites e recursos web de organizações pelos direitos das mulheres e outras minorias. Contudo, são poucos os projetos orientados às tecnologias digitais com enfoque de gênero e, esta neutralidade não faz senão discriminar minorias que não se integram espontaneamente ao mundo digital.
Como explica Graciela Natansohn em “Internet em Código Feminino. Teorias e práticas” (2013), no contexto tecnológico, o feminismo se concentra em legitimar e instaurar políticas de inclusão das mulheres no meio digital, refletindo um horizonte para a teoria e práxis feminista em resposta a demandas sociotécnicas. Segundo a autora, o que está em disputa neste terreno é o alcance político e social da cultura digital como forma de viver na contemporaneidade, como um ambiente onde se desenvolvem lutas por poder e por expressão de diferentes grupos sociais. No entanto, a análise e também o uso desse espaço devem ser precedidos do reconhecimento de que não é um ambiente de neutralidade de gênero. Para Natansohn, assim, é necessário refletir o protagonismo da mulher para além da apropriação da tecnologia, mas junto a isso o empreendimento de construção de conhecimentos programáticos a estas mesmas ferramentas e plataformas tecnológicas.
Deve-se exigir o olhar atento do movimento para os mecanismos opressores e para os discursos solidificados nos meios de comunicação. A esse respeito, a relevância de uma autocrítica feminista encontra-se no fato de que durante muito tempo o movimento foi sensível a camadas sociais médias e universitárias, tendo como desafio contemporâneo romper as fronteiras de ordem simbólica e material que tangenciam diferentes camadas sociais em nível de classe, etnia e sexualidade, sendo que, as redes de comunicação digital têm papel importante nesse processo.
Sendo assim, inegável que o meio digital dá voz às mulheres. De pouco em pouco vai abrindo portas, levando mulheres a posições de destaque e influência, uma oportunidade para quem quer e precisa ser ouvida. Mas ainda é essencial poder lutar e buscar avanços, não se render e não desanimar, porque ainda nem todos (e todas) as escutam.
Escrito por:
\"Nasceste para ser livre, não perfeita.\"