RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL DECORRENTE DE INADIMPLEMENTO DE ALIMENTOS FIXADOS A TÍTULO DE MEDIDA PROTETIVA, NO ÂMBITO DE AÇÃO PENAL DESTINADA A APURAR CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. 1. INOBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE RECURSAL. VERIFICAÇÃO. ANÁLISE, DE OFÍCIO, DA LICITUDE DO DECRETO PRISIONAL, EM RAZÃO DA MAGNITUDE DO DIRETO CONSTITUCIONAL DO WRIT. NECESSIDADE. 2. HIGIDEZ DA DECISÃO PARA SUBSIDIAR A IMEDIATA COBRANÇA JUDICIAL DA VERBA ALIMENTAR. RECONHECIMENTO. 3. NATUREZA SATISFATIVA DA MEDIDA (E NÃO ASSECURATÓRIA). DESNECESSIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO PRINCIPAL NO PRAZO DE 30 (TRINTA) DIAS. RECONHECIMENTO. 4. SUBSISTÊNCIA DO DEVER DE PRESTAR ALIMENTOS ENQUANTO PERDURAR A SITUAÇÃO DE HIPERVULNERABILIDADE, DESENCADEADA PELA PRÁTICA DE VIOLAÇÃO DOMÉSTICA E FAMILIAR. RECONHECIMENTO. 5. OBRIGAÇÃO ALIMENTAR MANTIDA ATÉ A REVOGAÇÃO JUDICIAL DA DECISÃO QUE A FIXOU. NECESSIDADE. 6. RECURSO ORDINÁRIO NÃO CONHECIDO. 1. Não obstante a existência de vícios formais que obstam o conhecimento do recurso, dada a magnitude da garantia constitucional do habeas corpus, decorrente da proteção do direito à liberdade a que visa assegurar, impõe-se o exame de suas razões para constatação de eventual flagrante ilegalidade, apta a ensejar a concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus. 2. Controverte-se no presente recurso ordinário em habeas corpus, se a decisão proferida no processo penal que fixa alimentos provisórios ou provisionais em favor da então companheira e de sua filha, em razão da prática de violência doméstica, estribada no art. 22, V, da Lei n. 11.340/2006 e, no caso dos autos, ratificada em acordo homologado judicialmente no bojo da correlata execução de alimentos constitui título hábil para cobrança (e, em caso de inadimplemento, passível de decretação de prisão civil) ou se, para tal propósito, seria necessário o ajuizamento, no prazo de 30 (trinta) dias, de ação principal de alimentos (propriamente dita), sob pena de decadência do direito. 3. A medida protetiva de alimentos, fixada por Juízo materialmente competente é, por si, válida e eficaz, não se encontrando, para esses efeitos, condicionada à ratificação de qualquer outro Juízo, no bojo de outra ação, do que decorre sua natureza satisfativa, e não cautelar. Tal decisão consubstancia, em si, título judicial idôneo a autorizar a credora de alimentos a levar a efeito, imediatamente, as providências judiciais para a sua cobrança, com os correspondentes meios coercitivos que a lei dispõe. Compreensão diversa tornaria inócuo o propósito de se conferir efetiva proteção à mulher, em situação de hipervulnerabilidade, indiscutivelmente. 4. O inciso V do art. 22 da Lei n. 11.340/2006 faz menção a alimentos provisórios ou provisionais, termos que são utilizados, no mais das vezes, como sinônimos. Embora não o sejam tecnicamente, a diferença é apenas terminológica e procedimental, guardando entre si, na substância, inequívoca identidade, destinando-se a garantir à alimentanda, temporariamente, os meios necessários à sua subsistência, do que ressai a sua natureza eminentemente satisfativa, notadamente porque a correspondente verba alimentar não comporta repetição. Desse modo, à medida protetiva de alimentos (provisórios ou provisionais) afigura-se absolutamente inaplicável o art. 806 do CPC/1973 (art. 308 do CPC/2015), que exige o ajuizamento de ação principal no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de perda da eficácia da medida, já que não se cuida de medida assecuratória/instrumental. 5. O entendimento que melhor se coaduna com os propósitos protetivos da Lei n. 11.340/2006 é o que considera subsistentes os alimentos provisórios e provisionais enquanto perdurar a situação de vulnerabilidade desencadeada pela prática de violência doméstica e familiar e não, simplesmente, enquanto perdurar a situação de violência. 5.1 O dever de prestar alimentos, seja em relação à mulher, como decorrência do dever de mútua assistência, seja em relação aos filhos, como corolário do dever de sustento, afigura-se sensivelmente agravado nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. Nesse contexto de violência, a mulher encontra-se em situação de hipervulnerabilidade, na medida em que, não raras as vezes, por manter dependência econômica com o seu agressor se não por si, mas, principalmente, pelos filhos em comum , a sua subsistência, assim como a de seus filhos, apresenta-se gravemente comprometida e ameaçada. 5.2 A par da fixação de alimentos, destinados a garantir a subsistência da mulher em situação de hipervulnerabilidade, o magistrado deve, impreterivelmente, determinar outras medidas protetivas destinadas justamente a cessar, de modo eficaz, a situação de violência doméstica imposta à mulher. Compreender que a interrupção das agressões, por intermédio da intervenção judicial, seria suficiente para findar o dever de prestação de alimentos (a essa altura, se reconhecido, sem nenhum efeito prático) equivaleria a reconhecer a sua própria dispensabilidade, ou mesmo inutilidade, o que, a toda evidência, não é o propósito da lei. A cessação da situação de violência não importa, necessariamente, o fim da situação de hipervulnerabilidade em que a mulher se encontra submetida, a qual os alimentos provisórios ou provisionais visam, efetivamente, contemporizar. 5.3 A revogação da decisão que fixa a medida protetiva de alimentos depende de decisão judicial que reconheça a cessação de tal situação, cabendo, pois, ao devedor de alimentos promover as providências judiciais para tal propósito, sem o que não há falar em exaurimento da obrigação alimentar. 6. Recurso ordinário não conhecido, inexistindo qualquer ilegalidade do decreto prisional impugnado que autorize a concessão da ordem de habeas corpus, de ofício.
(STJ – RHC: 100446 MG 2018/0170173-4, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 27/11/2018, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/12/2018)
Escrito por: