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Esse mês eu cortei meu cabelo. Para me sentir livre.
Mesmo assim, há dias que eu acordo ainda mais cedo que o normal para escová-lo.
Não sou nenhuma referência de padrões ou cuidados estéticos, até completar 30 anos, eu não era sequer discípula do Pedro Bial e não passava filtro solar. E sempre me surpreendi com o fato de que muitas amigas demoram cerca de 1 hora para se maquiar para sair para uma balada comum de final de semana.
Mesmo assim, eu gasto meus cinco minutos diários com o cabelo, mais dez minutos fazendo uma hidratação na pele, e passando uma base no rosto. Para as unhas eu disponibilizo cerca de 2 horas por semana. Para a depilação, 4 horas por mês. Além de todo o tempo gasto com a carga mental de tentar acompanhar a previsão do tempo, as tendências da moda, e toda a sorte de coisas incontroláveis.
Segundo estudo da empresa de pesquisa de mercado GFK, as mulheres gastam cerca 5,3 horas semanais com cuidados pessoais, em contraposição às 3 horas semanais masculinas.
Mas esse texto vai além de uma apuração matemática sobre o gasto temporal dos cuidados estéticos da mulher.
É preciso perceber que, muito embora muitas de nós faça de forma natural, os cuidados estéticos são mais uma pressão para que você se sinta aceita. Para te dar uma falsa sensação de pertencimento.
Falsa porque você não é aceita por quem você é. Dentro do ambiente jurídico eu já fui julgada por não obedecer ao dress code (que aliás não está prescrito em nenhum lugar).
Em todos os lugares, já fui julgada (e já julguei e já me auto julguei) por não estar maquiada, por não estar de salto, por não estar magra. Já me julguei por estar confortável.
Importante perceber que esse processo vem ainda acompanhado do empobrecimento das mulheres. Afinal, o dinheirinho da depilação tem que estar on.
Por outro lado, o atendimento aos padrões estéticos também gera uma pressão na mulher – afinal, você é bonita demais para saber o que está falando. No caso das mães separadas, “aposto que está gastando o dinheiro da pensão com isso”. O corpo e a autonomia da mulher pertencem a todo mundo, menos a ela.
Lembrar que a mulher não tem um segundo de paz é lembrar que o que muitas pessoas chamam de vaidade, na verdade é um processo de socialização que enclausura a sua feminilidade em uma expectativa de padrão. E não importa se você atende a esse padrão, ou não, você não vai atingir a meta.
A questão é ainda mais pesada para as mulheres negras, indígenas, gorda, PCD…
E é também importante falar sobre privilégios. Parece pouca coisa, mas enquanto uns podem apenas tomar banho e sair, mulheres usualmente, se sentem constrangidas (ou violentadas) quando alguém diz: “você devia escovar seu cabelo”, “você fica melhor de cabelo comprido”, ou (em tom elogioso) “como você emagreceu”. Enquanto uns não gastam saúde mental, dinheiro e tempo, nós gastamos tudo isso na vida pelo direito de existir (dentro de um padrão).
Esse mês eu cortei meu cabelo. Para tentar me sentir livre.
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