RECURSO EM HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL EM CONTINUIDADE DELITIVA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA E ATIPICIDADE DA CONDUTA. CONTEMPLAÇÃO LASCIVA DE MENOR DESNUDA. ATO LIBIDINOSO CARACTERIZADO. TESE RECURSAL QUE DEMANDA REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. RECURSO DESPROVIDO.
O Parquet classificou a conduta do recorrente como ato libidinoso diverso da conjunção carnal, praticado contra vítima de 10 anos de idade. Extrai-se da peça acusatória que as corrés teriam atraído e levado a ofendida até um motel, onde, mediante pagamento, o acusado teria incorrido na contemplação lasciva da menor de idade desnuda. Discute-se se a inocorrência de efetivo contato físico entre o recorrente e a vítima autorizaria a desclassificação do delito ou mesmo a absolvição sumária do acusado.
A maior parte da doutrina penalista pátria orienta no sentido de que a contemplação lasciva configura o ato libidinoso constitutivo dos tipos dos arts. 213 e 217-A do Código Penal – CP, sendo irrelavante, para a consumação dos delitos, que haja contato físico entre ofensor e ofendido.
O delito imputado ao recorrente se encontra em capítulo inserto no Título VI do CP, que tutela a dignidade sexual. Cuidando-se de vítima de dez anos de idade, conduzida, ao menos em tese, a motel e obrigada a despir-se diante de adulto que efetuara pagamento para contemplar a menor em sua nudez, parece dispensável a ocorrência de efetivo contato físico para que se tenha por consumado o ato lascivo que configura ofensa à dignidade sexual da menor. Com efeito, a dignidade sexual não se ofende somente com lesões de natureza física. A maior ou menor gravidade do ato libidinoso praticado, em decorrência a adição de lesões físicas ao transtorno psíquico que a conduta supostamente praticada enseja na vítima, constitui matéria afeta à dosimetria da pena, na hipótese de eventual procedência da ação penal.
In casu, revelam-se pormenorizadamente descritos, à luz do que exige o art. 41 do Código de Processo Penal – CPP, os fatos que, em tese, configurariam a prática, pelo recorrente, dos elementos do tipo previsto no art. 217-A do CP: prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal com vítima menor de 14 anos. A denúncia descreve de forma clara e individualizada as condutas imputadas ao recorrente e em que extensão elas, em tese, constituem o crime de cuja prática é acusado, autorizando o pleno exercício do direito de defesa e demonstrando a justa causa para a deflagração da ação penal.
Nesse enredo, conclui-se que somente após percuciente incursão fática-probatória seria viável acolher a tese recursal de ausência de indícios de autoria e prova de materialidade do delito imputado ao recorrente. Tal providência, contudo, encontra óbice na natureza célere do rito de habeas corpus, que obsta a dilação probatória, exigindo que a apontada ilegalidade sobressaia nitidamente da prova pré-constituída nos autos, o que não ocorre na espécie.
Assim, não há amparo para a pretendida absolvição sumária ou mesmo o reconhecimento de ausência de justa causa para o prosseguimento da ação penal para apuração do delito.
Recurso desprovido.
(BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Habeas Corpus n. 70.976 – MS (2016/0121838-5). Relator: Ministro Joel Ilan Paciornik. Recorrente: J. C. L. Recorrido: Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul. Brasília, DF, 13 set. 2016.)
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