ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 779 E A INCONSTITUCIONALIDADE ERGA OMNES DA LEGÍTIMA DEFESA DA HONRA

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A decisão do Superior Tribunal Federal (STF), no Habeas Corpus (HC) 178.777, analisada no capítulo anterior, manteve a soberania constitucional do Tribunal do Júri, negando novo julgamento. Nos três votos favoráveis a manter a absolvição, os fundamentos foram baseados na constitucionalidade do Tribunal do Júri, que seria inconstitucional denegar e ordenar novo julgamento, em contradição com as próprias decisões sobre o mesmo tema no STF. Diante dessa decisão, baseado nos princípios fundamentais constitucionais, o Partido Democrático Trabalhista (PDT) impetrou, junto ao STF, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 779, que será analisada neste capítulo. (BRASIL, 2020a; BRASIL, 2021b).

Fundamentos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 779

 

O Partido Democrático Trabalhista (PDT) impetrou, junto ao Superior Tribunal Federal (STF), a Ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 779, por violação dos preceitos fundamentais nos atos do poder público e para a devida atribuição de interpretação conforme a Constituição Federal (CF), nos artigos 23, II, e 25, caput e parágrafo único, do CP, e do art. 65, do CPP, sobre a legítima defesa. (BRASIL, 1988; BRASIL, 1940, BRASIL, 1941; BRASIL, 2021b).

 

Nos fundamentos para cabimento e admissibilidade da ADPF 779, foi comprovada a efetiva existência de controvérsia judicial relevante, sendo o requisito atendido por três fundamentos apresentados pelo PDT na petição da ADPF:

a)     a existência das decisões contraditórias nos Tribunais de Justiça, sobre a absolvição, quando contrárias as provas nos autos (art. 593, III, “d”, do CPP), admitindo a tese da legítima defesa da honra nos crimes de feminicídio, em algumas decisões, mantendo a soberania do júri e, em outras decisões, anulando e submetendo a novo júri;

b)     a existência de diversas decisões nos Tribunais de Justiça, que anularam as decisões do Tribunal do Júri nos crimes de feminicídio por estarem contrárias as provas nos autos pela tese da legítima defesa da honra, assim submetendo a novo julgamento, sendo completamente divergente do posicionamento do STF na decisão do HC 178.777, que, por sua vez, manteve a decisão absolutória, reformando as decisões anteriores do STJ e do TJ/MG;

c)     contrariedade objetiva do STF na decisão do HC 178.777, que, por sua vez, manteve a decisão absolutória, reformando as decisões anteriores do STJ e do TJ/MG, tratando-se de divergência sobre os direitos humanos fundamentais das mulheres entre os tribunais superiores. (BRASIL, 1941; BRASIL, 2020a; BRASIL, 2021b).

Todos os fundamentos supracitados foram demonstrados com diversas decisões jurisprudenciais dos TJs, do STJ e STF. Decisões essas contraditórias, pois, em alguns momentos, mantinham a decisão do júri, pela tese usada da legítima defesa da honra, tese essa que lesa a humanidade, mesmo contrária às provas nos autos, absolvendo o assassino de mulheres, com o embasamento da constitucionalidade da supremacia do júri, e, em outros momentos, anulavam as decisões contrárias às provas nos autos, submetendo a novo plenário do júri. Diante desses impasses e pelo princípio da segurança jurídica, foi admitida a ADPF 779. (BRASIL, 2021b).

 

O mérito da ADPF 779 se deu pela violação dos preceitos fundamentais, violados pelos atos nas decisões do poder público, pela supremacia dos veredictos na admissibilidade de absolvição genérica com a alegação da tese da legítima defesa da honra nos crimes de feminicídio. Foram lesados, na decisão do HC 178.777, os preceitos fundamentais do direito à vida, do princípio da dignidade da pessoa humana, do princípio da não-discriminação e dos princípios do Estado de Direito, da razoabilidade e da proporcionalidade, contidos na CF, respectivamente nos artigos 5º, caput; 1º, III; 3º, IV; 1º e 5º, LIV, da CF. (BRASI, 1988; BRASIL, 2021b).

 

O direito à vida e a dignidade da pessoa humana não são compatíveis com a admissão da legítima defesa da honra, absolvendo assassinos que, motivados por ciúmes ou sentimento de traição, sintam-se no direito de extinguir a vida e a dignidade da mulher, visto que o bem maior deve ser a vida e não a honra, como citado nos termos da ADPF 779:

[…] Flagrante inconstitucionalidade da horrenda, nefasta e anacrônica tese de lesa-humanidade da “legítima defesa da honra” (sic). Indispensável concordância prática da norma constitucional sobre a “soberania” dos veredictos do Júri com os direitos fundamentais à vida e à proibição constitucional de preconceitos de quaisquer espécies. Evidente primazia do bem jurídico-constitucional “vida” sobre o bem jurídico-constitucional “honra”, inclusive contra a naturalização do feminicídio (cf. Min. Roberto Barroso), como se a mulher fosse uma “coisa” de “propriedade” do homem, em flagrante violação do princípio da dignidade da pessoa humana. Honra não se confunde com orgulho ferido de homem traído […]. (BRASIL, 2021b).

 

As evidentes violações ao princípio da proporcionalidade, por ocorrer em inadequação, desnecessidade, desproporcionalidade e razoabilidade do Estado de Direito, não significam que as decisões sejam inconstitucionais, e, sim, da controvérsia em não serem interpretadas de acordo com a CF, como dispõem os fundamentos da ADPF 779:

[…] Evidente violação ao princípio da proporcionalidade pelo assassinato de pessoa em relação de afeto que incorra em traição/adultério: além de inadequação, pelo assassinato não ser apto a proteger a honra; evidente desnecessidade, por existência de meio menos gravoso (divórcio ou separação em relações não-matrimonializadas) e evidente desproporcionalidade em sentido estrito, pela supremacia concreta do direito

fundamental à vida e o respeito da dignidade humana da vítima sobre o direito à honra, caso se entenda que haveria qualquer “tensão prima facie” entre eles no caso. Princípio da proporcionalidade enquanto proibição de excesso e de proteção insuficiente: inconstitucionalidade de absolvição genérica manifestamente contrária à prova dos autos e ao Direito vigente. Evidente violação dos princípios da razoabilidade e do Estado de Direito […]. (BRASIL, 2021b).

 

Nesse sentido, no julgamento da ADPF 779, deve ser afastada a tese da legítima defesa da honra no Tribunal do Júri, já que há uma interpretação restrita quanto à garantia constitucional da soberania dos veredictos, quando a decisão for contrária às provas nos autos, nos crimes com a tese da legítima defesa da honra. Complementa, ainda, que, na fundamentação, é inconstitucional o conselho de sentença, no Tribunal do Júri, continuar a absolver com a tese da legítima defesa da honra e ser aceita pela livre convicção dos jurados, como ocorreu no caso de feminicídio do HC 178.777, que manteve a absolvição, fundamentando ser impossível anular sentença proferida pelo Tribunal do Júri. (BRASIL, 2020a; BRASIL, 2021b).

Os pedidos da ADPF 779 são os seguintes:

[…] (iii) seja, ao final, JULGADA TOTALMENTE PROCEDENTE a presente ação, confirmando-se a medida cautelar/liminar anteriormente deferida, ou, caso indeferida, para que, com efeito vinculante e eficácia erga omnes, seja atribuída interpretação conforme a Constituição ao disposto nos artigos 23, II, e 25 do Código Penal e do artigo 65 do Código de Processo Penal (e, se esta Suprema Corte considerar necessário, o art. 483, III, §2º, do CPP), para considera-los recepcionados pela Constituição apenas se interpretados como não admitindo absolvições, mesmo por Tribunais de Júri, pela nefasta, horrenda e anacrônica tese de lesa-humanidade da legítima defesa da honra […] (sic), ou seja, de assassinos de pessoas que cometeram (ou foram acusadas de) adultério em uma relação afetiva (caracterizadora de família conjugal ou não), geralmente feminicidas, ou, alternativamente, seja declarada a não-recepção sem redução de texto de ditos dispositivos legais pré-constitucionais (e declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto do dispositivo pós-constitucional, se esta Suprema Corte isto entender necessário), para deles excluir uma tal exegese, como medida da mais lídima JUSTIÇA! (BRASIL, 2021b).

 

Além dos pedidos supracitados, para dar a devida interpretação constitucional aos artigos do Código Penal (CP), referentes à legítima defesa, ainda é pedida a exclusão de legítima defesa da honra e, também, a restrição, para que, no Tribunal do Júri, não possa ser alegada a tese, com pedido em medida cautelar com efeito vinculante e eficácia erga omnes e ex nunc. (BRASIL, 2021b).

 

Foi proposta, ainda, uma tese para apreciação quanto à soberania dos veredictos no Tribunal do Júri, como segue:

1. A “soberania dos veredictos” atribuída ao Tribunal do Júri pelo artigo 5º, XVIII, “c”, da Constituição Federal não lhe permite tomar decisões condenatórias absolutórias manifestamente contrárias à prova dos autos, no sentido de uma decisão que se divorcia completamente dos elementos fático-probatórios do processo e do Direito em vigor no país, à luz de argumentos racionais, de razão pública, condizentes com as normas constitucionais, convencionais e legais vigentes no país. 1.1. Assim, a absolvição da pessoa acusada por teses de lesa-humanidade, no sentido de violadoras de direitos fundamentais, como a chamada “legítima defesa da honra”, gera a nulidade do veredicto do júri, por se constituírem enquanto arbitrariedade que não pode ser tolerada à luz do princípio do Estado de Direito, enquanto “governo de leis”, à luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, visto que todos que consagram a vedação do arbítrio em decisões estatais. […]. (BRASIL, 2021b).

 

Essa tese, como fundamentada anteriormente, baseia-se em que o conselho de sentença não pode absolver feminicidas com a livre convicção na absolvição genérica, sendo sustentada, no plenário, a legítima defesa da honra e contrariando as provas nos autos, cabendo ao livre arbítrio dos homens a vida das mulheres. Como essa tese não é compatível com os direitos fundamentais à vida, à dignidade da pessoa humana e à não-discriminação das mulheres, entre a soberania dos veredictos, o bem maior, constitucionalmente, é a vida. (BRASIL, 2021b).

 

E, nesse sentido, totalmente contrária à decisão do STF, no HC 178.177, que, pela soberania constitucional do Tribunal do Júri, entendeu que, ao anular a decisão e submeter a novo julgamento, estaria agindo inconstitucionalmente, mesmo diante da contrariedade das provas nos autos, amparada no art. 593, III, “d”, do CPP, acabou por decidir, inconstitucionalmente, contra o direito à vida. (BRASIL, 2020a; BRASIL, 2021b).

A Procuradoria-Geral da República (PGR), após o STF manter a absolvição no HC 178.777, manifestou-se contrária à decisão. Posicionou-se, declarando que a honra masculina não justifica os crimes de feminicídio com a tese da legítima defesa da honra, e a absolvição por quesito genérico mantido na decisão tornou o entendimento de irrecorribilidade de decisão do Tribunal do Júri, ofendendo a segurança consagrada na CF, pois não se faz “justiça com as próprias mãos”. A CF consagra o direito à segurança pelo devido processo legal, isso inclui o duplo grau de jurisdição, os direitos iguais entre homens e mulheres. Esses comandos constitucionais repelem que a soberania dos veredictos seja absoluta, pois encontra limites dentro de demais princípios constitucionais. (BRASIL, 2020a)

 

A PGR opinou que o quesito genérico de absolvição e a soberania do veredicto, defendidos no relatório do HC 178.777, no crime de feminicídio, consagram “uma vingança privada com motivo torpe”, e as decisões dos juízos a quo não são inconstitucionais ou ilegais, quando anularem decisões contrárias às provas nos autos. Em recurso de embargos de declaração, a PRG, em seus pedidos, além do acolhimento, pediu que fosse cassada a ordem e restaurada a decisão do TJ/MG para a realização de novo julgamento, porém o recurso foi acolhido e desprovido pelo STF. (BRASIL, 2020a).

Medida cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 779 e o efeito erga omnes

O Ministro relator Dias Toffoli, em decisão ad referendum ao plenário, em 26/02/2021, concedeu parcialmente a medida cautelar, posteriormente referendada (em 12/03/2021) por unanimidade, com o acolhimento da ressalva do Ministro Gilmar Mendes. Como segue ementa da decisão:

Referendo de medida cautelar. Arguição de descumprimento de preceito fundamental. Interpretação conforme à Constituição. Artigos 23, inciso II, e 25, caput e parágrafo único, do Código Penal e art. 65 do Código de Processo Penal. “Legítima defesa da honra”. Não incidência de causa excludente de ilicitude. Recurso argumentativo dissonante da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), da proteção à vida e da igualdade de gênero (art. 5º, caput, da CF). Medida cautelar parcialmente deferida referendada. (BRASIL, 2021b).

 

A decisão cautelar firmou o entendimento que a tese da legítima defesa da honra é inconstitucional, contrariando os princípios da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero. (BRASIL, 2021b).

Dos fundamentos da decisão cautelar, o Superior Tribunal Federal (STF) decidiu que a tese da legítima defesa da honra é violadora da dignidade humana e não da legítima defesa, como dispõe o Código Penal (CP). Mesmo assim, infelizmente, tornou-se um recurso de argumentação utilizado por alguns operadores do direito, de forma cruel e até odiosa, para, de certa forma, culpar a vítima mulher da violência e até da própria morte causada pelo agressor. Quem pratica o feminicídio não age em legítima defesa, e, sim, age atacando, de maneira desproporcional e criminosa, devendo ser rejeitado e reprimido no âmbito penal. (BRASIL, 2021b).

 

As ofensas e a inconstitucionalidade da legítima defesa da honra violam os preceitos fundamentais referentes aos artigos art. 1º, inciso III, e art. 5º caput e inciso I, da Constituição Federal (CF), da dignidade da pessoa humana e direito à vida. Se for admitida no sistema jurídico brasileiro, a utilização da tese somente estimulará a violência contra a mulher e o crime de feminicídio, consequentemente, o agressor não sofrerá sanções penais ou poderá ter a pena atenuada. (BRASIL, 1988; BRASIL, 1940; BRASIL, 1941, BRASIL, 2021b).

 

Da cautelar, foi determinada a interpretação, conforme a CF, aos artigos referentes à legítima defesa (artigos 23, inciso II, e 25, caput e parágrafo único, do CP, e ao art. 65, do CPP), devendo ser excluída, enquanto legítima defesa, a defesa da honra. Não podendo ser utilizada como argumento no Tribunal do Júri, mesmo diante da ampla defesa, pois, além de ser inconstitucional, a tese estaria garantindo a proteção da conduta ilícita, mais uma vez, incentivando e naturalizando a violência contra a mulher. (BRASIL, 1940; BRASIL, 1941; BRASIL, 2021b).

 

O efeito erga omnes e vinculante da cautelar, a respeito da tese da legítima defesa da honra, abrange a todos, independente da causa originária da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 779, e a determinação deve ser seguida pelo Poder Judiciário e Executivo, excluindo-se a tese da legítima defesa da honra como argumento de defesa ou acusação, de forma direita ou indireta. Conforme ementa:

[…] obstar à defesa, à acusação, à autoridade policial e ao juízo que utilizem, direta ou indiretamente, a tese de legítima defesa da honra (ou qualquer argumento que induza à tese) nas fases pré-processual ou processual penais, bem como durante julgamento perante o Tribunal do Júri, sob pena de nulidade do ato e do julgamento, nos termos do voto do Relator, Ministro Dias Toffoli. Os Ministros Edson Fachin, Luiz Fux (Presidente) e Roberto Barroso acompanharam o Relator com ressalvas. A ressalva do Ministro Gilmar Mendes foi acolhida pelo Relator. (BRASIL, 2021b).

 

A tese da legítima defesa da honra não pode mais ser utilizada perante o Tribunal do Júri, como exposto acima, sob pena de nulidade do ato processual, inclusive autoridade policial e o juízo, sendo que, nesta ressalva acolhida do Ministro Gilmar Mendes, a limitação deve ser atribuída aos juízes, pois também poderiam em alegações ou petições eventualmente formular o fundamento da tese. (BRASIL, 2021b).

 

No relatório da ADPF 779, a plenitude da defesa no Tribunal do Júri está fundamentada como garantia constitucional, sendo cabíveis argumentos jurídicos ou não jurídicos, como a tese da legítima defesa da honra. Ao decidir a medida cautelar, impedindo o uso da tese no plenário do júri, não pode a plenitude da defesa abrigar teses de absolvição de práticas ilícitas. É inaceitável a garantia constitucional da ampla defesa se sobrepor à garantia constitucional do bem mais valioso que é a vida. Entre os princípios e direitos fundamentais garantidos na CF, prevalece a dignidade da pessoa humana, o direito à igualdade e o direito à vida acima da plenitude da defesa, portanto os princípios e os direitos fundamentais são bens jurídicos não absolutos, visto que os mais valiosos se sobrepõem, havendo ponderação. (BRASIL, 2021b).

 

Observa-se a controvérsia do próprio Ministro Dias Toffoli, que, na votação do HC 178.177, votou em manter a absolvição perante a soberania do júri e disse que evidentemente não havia analisado os fatos, sequer verificou a causa em questão de ser uma absolvição por quesito genérico em tese da legítima defesa da honra no crime de feminicídio, contrariando as provas nos autos. Já como relator na ADPF 779, o Ministro Dias Toffoli fundamenta como tese violadora da dignidade humana e não devendo ser invocada no plenário do júri, devendo prevalecer a dignidade da pessoa humana e a vida, que tal tese estaria amparando práticas ilícitas. Se o seu voto, no HC 178.1777, fosse coerente com o mesmo entendimento que teve na ADPF 779, teria sido possível um novo julgamento, porém manteve a absolvição do réu no crime de feminicídio. (BRASIL, 2020a; BRASIL, 2021b).

 

Enquanto decisão cautelar, não foi definida a temporariedade dos seus efeitos, entretanto serão determinados, em julgamento, os efeitos ex tunc ou ex nunc, e, sobre a questão do quesito genérico de absolvição no Tribunal do Júri, não foi quesito de apreciação na cautelar, pois não há previsão para julgamento definitivo da ADPF 779. A PGR foi intimada e com vistas à decisão cautelar, porém, até o momento, não apresentou nenhum parecer.  (BRASIL, 2021b).

 

Crítica da doutrina na decisão da medida cautelar da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 779

 

A medida cautelar da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 779 gerou diversos posicionamentos críticos da inconstitucionalidade da tese da legítima defesa da honra e da limitação da ampla defesa institucionalizada do Tribunal do Júri.

Na análise de Nucci (2021), o STF teve a devida preocupação em declarar a inconstitucionalidade da legítima defesa da honra, assim não havendo espaço para agressores cometerem violência e o crime de feminicídio contra as mulheres, amparados pela imoralidade dessa tese, como segue:

Foi nítida a preocupação do Supremo Tribunal Federal com a indevida teoria da legítima defesa da honra, que não pode dar abrigo a homicidas de mulheres, sob pretextos ilegais e até mesmo imorais, pois calcados em orgulho ferido, machismo e pretensa superioridade masculina, impondo regras de convívio e de relacionamento amoroso às suas parceiras. (NUCCI, 2021).

 

Nas questões de nulidades dos atos pré-processuais e processuais, que alegarem a legítima defesa da honra, torna-se impossível, em fase de inquérito policial, anular tais atos, portanto, em crimes de feminicídio, a autoridade policial não poderá invocar a tese em argumentos diretos ou indiretos que as provas submetam a defesa da honra, assim reconhecendo uma excludente de ilicitude, pois está vetada pelo STF nesta decisão cautelar, teria uma alegação de ilegalidade da autoridade policial neste caso. (NUCCI, 2021).

No âmbito no Tribunal do Júri, sendo a tese da legítima defesa da honra inconstitucional, e não permitida para ampla defesa ou acusação valer-se desta, não estaria ferindo constitucionalmente o direito à ampla defesa, devendo ambos conviver em harmonia diante da dignidade da pessoa humana, pois nenhum princípio constitucional é absoluto, sendo a vida o bem maior. (NUCCI, 2021).

 

Nesse sentido, o recente julgado TJ/SC expõe:

HABEAS CORPUS. TRIBUNAL DO JÚRI. PRIMEIRA FASE. INDEFERIMENTO DA CERTIFICAÇÃO DE ANTECEDENTES CRIMINAIS DAS VÍTIMAS. AVENTADA AFRONTA À PLENITUDE DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. ESTREITA VIA DE COGNIÇÃO DO HABEAS CORPUS QUE NÃO DEMONSTRA A IMPRESCINDIBILIDADE DA PROVA. AÇÃO PENAL QUE APURA FATOS, EM TESE, PRATICADOS PELO AUTOR E NÃO PELAS VÍTIMAS. AVANÇO JURISPRUDENCIAL PELA CORTE SUPREMA NO SENTIDO DE QUE A PLENITUDE DE DEFESA NÃO PODE AFRONTAR PRINCÍPIOS COMO A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.

[…] Inclusive, há de se dizer que, embora não seja relacionado à caso análogo, o Supremo Tribunal Federal, no corrente ano, referendou por unanimidade medida cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 779, impedindo a utilização de teses como a legítima defesa da honra em casos de crimes passionais, em respeito à dignidade da pessoa humana. Nesta toada, percebe-se o avanço jurisprudencial no sentido de que a plenitude de defesa não engloba a utilização de fundamentos para dizimar a reputação das vítimas de delitos. […] ADEMAIS, AÇÃO PENAL EM FASE EMBRIONÁRIA. PROCEDIMENTO BIFÁSICO. POSSIBILIDADE DE NOVO REQUERIMENTO NA SEGUNDA FASE DO RITO, EM CASO DE PRONÚNCIA. IMPRESCINDIBILIDADE E PERTINÊNCIA DA PROVA, NESTE MOMENTO, NÃO DEMONSTRADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO VERIFICADO. ORDEM DENEGADA.

(TJ-SC – HC: 50553649120218240000 Tribunal de Justiça de Santa Catarina 5055364-91.2021.8.24.0000, Relator: Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer, Data de Julgamento: 04/11/2021, Quinta Câmara Criminal). (SANTA CATARINA, 2021).

A decisão do TJ/SC citada acima, em primeira fase do Tribunal do Júri, já enfatiza a decisão da ADPF 779, negando provimento ao recurso e fundamentando sua decisão para a defesa não se utilizar da tese da legítima defesa da honra no Tribunal do Júri, pois afrontará a dignidade da pessoa humana. Porém, anterior à decisão da ADPF 779, o TJ/SC entendia que somente os jurados no plenário do Tribunal do Júri poderiam ou não acatar a referida tese. (SANTA CATARINA, 2021).

Para Muniz (2021), no plenário do júri, será impossível saber se os jurados absolveram o réu em suas convicções pela legítima defesa da honra. Ressalta que, na medida cautelar do STF, não há como garantir seus efeitos na prática e se a limitação na ampla defesa resultará na diminuição dos crimes de feminicídio.

 

No entendimento de Lopes Jr. (2021), a tese da legítima defesa da honra nem deveria ser levada a plenário e tão pouco acolhida pelos jurados, porém enfatiza ser uma questão cultural e machista. O quesito de absolvição genérica não exige fundamentação, o que torna impossível determinar a motivação da absolvição, quando contrária às provas nos autos, o que, em sua opinião, deveria ser excluído, pois nenhum julgamento poderia ser fundamentado fora do direito e das provas neles contidos.

 

Para Dutra (2021), o STF declarando a inconstitucionalidade da legítima defesa da honra, não sendo excludente de ilicitude no CP, é justificável, porém limitar a atuação da ampla defesa no Tribunal do Júri estaria ofendendo a constitucionalidade desse quesito.

 

Segundo Bittencourt (2021), a decisão da medida cautelar do STF na ADPF 779, em suas palavras, possui “contradições intrínsecas”, na inconstitucionalidade declarada para a tese da legítima defesa da honra e na limitação da ampla defesa. Dessa forma, ignorou a soberania dos veredictos no Tribunal do Júri que é tão constitucional quanto a defesa da honra, não podendo, no seu entendimento, ser abolida do instituto da legítima defesa e limitar a ampla defesa, por conseguinte cabe ao plenário do júri e pela convicção dos jurados acatar ou não tais teses defensivas. Assim não limitaria o exercício da advocacia em utilizar-se de argumentos jurídicos e extrajurídicos, não limitando igualmente o réu, o qual não poderá igualmente alegar os motivos de honra ou do comportamento da vítima.

 

Para Nucci (2021), muitos questionamentos futuros estão por vir, porém, no aspecto de absolvição de quesito genérico, sendo teses diretas ou indiretas que reflitam em legítima defesa da honra contrariando as provas dos autos, não há de ser tão rigoroso e sendo plenamente possível o duplo grau de jurisdição.

 

A não garantia de novo julgamento pelo plenário do júri seria dado o poder absoluto aos jurados em uma única análise. Devendo ter o equilíbrio, garantia constitucional do Tribunal do Júri e também do duplo grau de jurisdição, sendo que este último não alteraria decisão, e o júri, em sua soberania, analisaria em novo julgamento e então em caráter definitivo, dessa forma se daria a amplitude à decisão cautelar do STF, na ADPF 779. (NUCCI, 2021).

Escrito por:

Vânia Stobbe Machado

A injustiça que se faz a um é uma ameaça que se faz a todos. Charles Louis Montesquieu