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A Barba dele é muito Azul

#Direito da Mulher#Empoderamento

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Muitas conhecem o conto infantil do Barba Azul, escrito no século XVII por Charles Perrault e posteriormente reproduzido por Clarissa Pinkola Estés no livro “Mulheres que correm com os Lobos”.

A história conta que havia um homem conhecido como Barba Azul, que cortejava três irmãs.

O homem era bonito, galanteador, elegante e muito rico. Um excelente partido, por assim dizer. As moças, contudo, tinham pavor de sua barba com aquele estranho tom azul e, por isso, o evitavam.

Ele é bonito e gentil, mas você já viu a cor da barba dele? É azul!”, dizia a irmã mais velha. “Ele é simpático e tem um belo sorriso, mas aquela barba é estranha”, concordou a irmã do meio. A irmã mais nova, por outro lado, achou que se o homem era tão encantador, talvez ele não fosse tão mau quanto todos diziam. E quanto mais ela conversava consigo mesma, menos assustador ele lhe parecia e a barba dele parecia cada vez menos azul.

Suas irmãs a advertiam de que a barba dele era indiscutivelmente azul, mas a irmã mais nova não lhes dava ouvidos, de modo que, quando o Barba Azul pediu sua mão em casamento, ela aceitou, convencida de que se casaria com um distinto cavalheiro.

Um mês após o casamento, Barba Azul precisou viajar e deixou todas as chaves do castelo com a esposa, dizendo que ela poderia abrir qualquer porta, exceto uma pequenina, no porão.

Não resistindo à curiosidade, a esposa foi ver o que tinha atrás daquela portinha e, ao abri-la, se deparou com enormes pilhas de ossos humanos e poças de sangue já seco, pertencentes às esposas anteriores de seu marido.

Ao chegar de viagem e descobrir que a esposa havia aberto a portinhola proibida, Barba Azul jurou matá-la, não concretizando seu intento apenas porque os irmãos da esposa chegaram a tempo de salvá-la.

A história foi publicada em 1697, mas não poderia ser mais atual.

O rapaz é bonito, interessante, articulado, educado e culto. No começo ele te trata muito bem e tudo são flores, mas com o tempo ele se transforma a tal ponto que você não reconhece mais o príncipe encantado por quem se apaixonou.

As pequenas discussões acabam tomando uma proporção gigantesca, o tom de voz sobe a cada briga e ele começa a revelar um lado que você não conhecia – ou que sempre esteve ali, mas você não queria ver.

E aos poucos se torna normal ele regular o comprimento do seu vestido, a cor do batom que você usa e pedir para você abotoar mais um botão da camisa. Com medo das represálias, você aceita as exigências e se molda àquilo que ele espera de você, tudo para evitar ainda mais brigas e discussões.

E quando se dá conta, você não vê mais seus amigos nem sua família, as pessoas mais próximas passaram a ser os amigos dele e a sua vida se fundiu à vida dele.

Quando vocês discutem, ele sempre dá um jeito de transferir a culpa para você. Ele diz que nunca foi assim, que a culpa é sua por tirá-lo do sério com seu gênio difícil e trazer à tona esse lado desagradável dele. E, pouco a pouco, ele te convence que você é quem tem que melhorar; que se você fosse mais maleável ou “boazinha” ele agiria de outro jeito.

Passada a discussão, ele pede desculpas, compra flores, presentes, diz que se preocupa demais com você e que as crises de ciúme são excesso de zelo. Você lembra dos momentos bons, do quanto ele consegue ser carinhoso e se pergunta se as coisas são, afinal, tão ruins. A barba dele não é tão azul.

Quando estamos emocionalmente envolvidas, não enxergamos com clareza os fatos e circunstâncias e romantizamos atitudes que, na essência, nos machucam.

O ciúme excessivo é confundido com cuidado – “ele me ama tanto que tem medo de me perder” –, os rompantes de raiva e descontrole são tidos como masculinidade, afinal, “homem é assim mesmo”, é o excesso de testosterona.

Frases como “ele não é sempre assim, só está passando por uma fase difícil”, ou “ele não é agressivo, só tem um gênio forte” se tornam cada vez mais corriqueiras e, sem se dar conta, você se pega justificando (para si e para os outros) cada vez mais as atitudes desmedidas dele. A barba dele não é tão azul.

E você até esqueceria os episódios, se eles não se repetissem na semana seguinte. E no mês seguinte. E sigam se repetindo até que, num rompante de fúria, ele soca a parede ou o guarda-roupa e você se dá conta de que, da próxima vez, talvez seja você.

Você não lembra em que momento exatamente o príncipe encantado foi embora, apenas se pergunta como chegou nesse ponto, como você não percebeu antes.

Logo você, feminista convicta tão antenada e bem informada, que todos os dias lê e ouve relatos de violências sofridas por outras mulheres, nunca percebeu que aquilo estava acontecendo com você.

Nunca com você, afinal, você jamais se relacionaria com um monstro desses. Além disso, você pensava que gente bonita, bem-sucedida, inteligente e educada não agride a mulher.

Por agressão, entenda-se qualquer tipo de violência, seja ela física, verbal, psicológica ou moral. Agressor não é só o cara que bate na mulher. Ofensas, xingamentos, ameaças, chantagens emocionais, manipulação psicológica e intimidação muitas vezes são formas de violência ainda mais perigosas do que a agressão física, justamente por envolver emocionalmente a vítima e minar aos poucos sua autoestima, causando não só feridas emocionais, como também a sensação de impotência e desconfiança em relação aos próprios sentimentos e percepções.

Então, fique atenta, por mais que ele seja lindo, sedutor, interessante e envolvente, se em algum momento ele faz você se sentir inferior, incapaz, fraca ou impotente; se você tem medo dele ou se, por qualquer razão que seja, aquela voz interior te diz que algo está errado, acredita, mulher, a barba dele é muito azul.

 

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Escrito por:

Mariana Rieping

Advogada especialista em Direito Criminal e Direito das Mulheres

1 Comentário

  1. Exatamente assim, eu li o livro, mas tem tanto tempo que nem lembro mais, vou reler, sempre é bom reler livros, tem alguns que já li oito vezes, cada vez que vc lê uns nova perspectiva aparece, parabéns pelo teu trabalho, está ajudando muitas mulheres, inclusive a mim que sou tão antenada mas desconhecia muitas coisas, obrigada